quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

PENAS! QUE PENAS?

Penas!
Que penas eram essas que faziam voar palavras e livros inteiros sobre  as planícies brancas do papel?

Talentosos autores escreviam seus clássicos manchando as mãos, e tudo em volta, com a tinta que espargia das asas do muito tinham imaginado e queriam contar.
Impossível pensar em Goethe, Shakespeare, Baudelaire e tantos outros, depenando os incautos seres alados que em suas janelas pousavam. Minúsculos penachos não supririam a genialidade da Literatura Universal.
De que ave foram arrancadas para a digna função?
Corvos parecem perfeitos para histórias de terror e cemitério, como colibris e rouxinóis despertam sonetos que no peito do poeta dormem.
Avestruzes conduzem à África, e ao viajante que traça mapas e cria suas aventuras através de naufrágios, de novas terras e povos. 
Corujas suavizariam os massudos compêndios filosóficos, pombos assinariam armistícios e papagaios coloridos, tão alegres e barulhentos quanto as crianças, contariam que seres mágicos existem e bichos falam no País do Faz-de-Conta.
Porém nenhum deles, com certeza, foi o escolhido para a missão. 
Penas! Que penas?
Gansos! Penas de ganso...
As elegantes aves de pescoço torto, cujas penas hoje enchem nossos travesseiros, não escaparam de um destino mais nobre, embora doído. 
Nas mãos dos amantes das Letras eternizaram, mesmo sem o saber, um legado de sabedoria e arte.




Tela de Jean Louis Ernest Meissonier - ( 1815/1891)
Pintor Francês.
' A Poet '


Teresinha Oliveira.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

MARESIA.

Sonhar na maresia é melhor que no teto, porque cama traz preguiça, e antes da imaginação ganhar corpo, se dorme.
Mar dá cheiro e textura ao desejo, que mesmo opaco, além da linha d'água flutua, criando miragem de possível.
Lá se materializa e quase ao alcance do toque permanece.

Talvez na manhã seguinte, encostado no poste em frente à janela 
Esteja o grande amor ainda não vivido
Mas revelado nas névoas marítimas ao ser sonhador.


Tela de Giuseppe de Nittis - (1846/1884)
Pintor Italiano.


Teresinha Oliveira.

CAMARÃO FRITO

Há meses, quase ano
Aguardo com a boca transbordando 
O convite que a mim não chega.

Os graúdos camarões com alho picadinho
Fritos em azeite estrangeiro
Foram extintos da cozinha de Dona Beth Elizabeth.

Os quilos, prometidos mas não servidos
Mexem as perninhas lá no fundo do mar azul
Fugindo para longe da frigideira que, em pé, cansou.

Os barcos dos pescadores à beira d'água 
Abarrotados com tantos cheiros e sabores seduzem
À glutona que com estômago vazio, ainda espera.

Tela de Emmanuel Hector Zamor - (1840/1919)
Pintor Brasileiro - Bahia

Terê Oliva

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

FORA DO JOGO.

A lucidez me expulsa da mesa do jogo.
O tempo trancou a sete chaves 
Minhas chances de romper o dique do destino.
Quando as tive nas mãos, ferozes águas 
Desperdicei-as ao chão.


Tentar agora um real encontro com a sorte
Esgota as poucas fichas que me restam.
As horas, na cadeira sentada em postura torta 
Cobram seu preço e doem nas costas.
Se o blefe quase nunca convence
Na vida, assim o mesmo se dá.


Sábio é guardar as cartas na sua caixa definitiva
E buscar a vitória em outros naipes de marfim .




Telas de Gaetano Bellei - (1857/1922)
Pintor Italiano.


Teresinha Oliveira.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

SAPATINHOS DE TRICÔ

Promessa para santo é coisa séria e depois que a alma profere só há o curso de cumprir.
Se existiu exagero na pena, nenhum joelho sangrando justifica a desistência da escadaria longa.
Jurou, tem que cumprir.
Promessa para santo é tal e qual promessa para criança.
Nada mais insuportável que criança chorosa e pedinte do que afinal tem pleno direito de ganhar.
Como os elefantes, elas também não esquecem e se frustradas, carregam a dádiva negada vida a fora. Punhal desembainhado contra o ingênuo que a troco de tão pouco se condenou ao queixume perpétuo.
Irene por tudo isso saber e concordar, mantém os dedos sempre ocupados a tecer, apesar dos olhos gastos nos oitenta e mais anos de vida.
Tricota sapatinhos de bebê para as mães pobres sem tino, que os geram mais rápido do que os dedos de Irene conseguem criar.
Meia, tricô, meia, tricô... Ao infinito as agulhas cruzam e a lã fina volteia. Vez ou outra, numa virtuose de mestre agulheira, tenta pontos novos. 

Meia, meia e volta, tricô, tricô e volta, meia...
Escapa assim do tédio a caridade de Irene.
Quando dezenas lotam a caixa onde com capricho os guarda, lapida a cada um com fitinhas coloridas e buquês de flores minúsculas.
Missão finda ante os olhos piedosos de Nossa Senhora, de São Bento, de São Pedro, ou outro dos tantos que seus amigos se tornaram no viço da fé.
Porém mal pago o ônus, nova angústia logo surge.
Tricô, meia, tricô, meia, tricô...


Tela de Otto Piltz - (1846/1910)
Pintor Alemão.

♥ Para minha Tia Irene



Teresinha Oliveira

Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

GEOGRAFIA POÉTICA.

A cabeça maluca rasga os livros de geografia.
Se põe à janelas altas para mirar ruas desconhecidas
Como se cotidianas fossem em sua beleza e rumo.


Íntimas logo se tornam nos passos sobre os paralelepípedos
Contadores de histórias dos que neles também tropeçaram
Ou por molhados de chuva, ou nos arroubos de beijos apaixonados.

Julgando-as poéticas e possíveis aos pés inchados, tenta
Entre as paralelas que cruza e descruza
Descobrir-lhes os segredos:


Os amantes, os adúlteros ocultos pelas paredes caiadas de amarelo
A fé cristã, na velha igreja onde se ajoelha e ora ante velas toscas
O sabor do cheiro que empesta o ar e enche a boca d'água
O culpado do crime que estampou o folhetim e jamais confessou.

Entretanto, a vida é breve e a realidade avarenta logo aniquila
Os fragmentos com os quais a imaginação se constrói.
 As sombras do extraordinário, vistas lá do alto são guardadas
No alforje do estático viajor quando as cortinas se fecham.


Tela de Ivan Slavinsky
Pintor Russo Contemporâneo.

Teresinha Oliveira.





quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

AM☼R VAGABUND☼.

Amor vagabundo é um amor sem eira nem beira
Que todo mundo já sentiu ou sentirá um dia.
Amor que perdeu a pose, tirou a máscara e nunca escondeu
O tempo breve que vai durar.

Amor vagabundo é um amor de alguns dias e quentes luas

Que se embola nos lençóis com pés p'ra fora.
Oferenda da vida para riso e diversão
Porque ninguém é de ferro, e esperar o verdadeiro cansa.
Só há que se ter cuidados para não grudá-lo no coração
E com o estropiado querer casar.

Ilustração de Denis Zilber

Ilustrador Israelense Contemporâneo.

Teresinha Oliveira

Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com

FONTE DA JUVENTUDE

O tempo não faz curvas nem cede à vontade dos mortais
Escorre, grão a grão, da imensidão das galáxias
Areia cósmica que embaça os olhos 

Trava as juntas, atrofia músculos e desejos
Corrompe o sexo e retalha a pele.

Na ressaca de juventude que às águas do mundo revolvem
Camaleões bípedes tentam escapar incólumes
À velhice que os agarra e mói.

Correm loucos a catar as partículas das estações
Que o Dono dos Calendários espalhou.


Tentam, principalmente as fêmeas da espécie
Conservar a beleza usada aos ventos despregados
Que, disso apesar, novos archotes inflamam.
Abdicaram os seres da simplicidade das horas acumuladas
Sábias horas que apontam o caminho de outras fontes.

Águas que não refrescam o corpo gasto, nem cicatrizam os cortes
Da vergasta nele fundos, mas bebidas as devidas frações
Em vasos de barro, amenizam a lôbrega expectativa.
Dádiva líquida do Mestre Criador que, tão sábio
Doura o pêssego dos anseios findos.




Tela de Stanislav Plutenko -  (1961)
Pintor Russo Contemporâneo.


Teresinha Oliveira
Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com



segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

MIGRAÇÃO.

Deixei escapar um amor provável.
Foi-se rápido como borboleta
Que tem encontro marcado com outras milhares
Para grande migração.

Partiu, não sem antes tentar
Prender meu beijo em sua rede.

 Intrépido caçador
Que pouco depois morreu.


Sentada à beira das matas 
Rogo perdão à deusa que em mim anseia
Pelo prazer dos erráticos desejos
Que meu corpo nunca esgota. 


Tela de Carl Spitzweg - (1808/1885)
Pintor Alemão.

Teresinha Oliveira.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

OS LINDOS VELHOS DE SPENCELAYH.
















Talvez por ter vivido tanto 

-(27 de outubro de  1865/25 de junho de 1958)- 
Spencelayh tenha visto no espelho esses velhos maravilhosos.
Há muitos outros, e cabe a cada um que por eles também se apaixonou, encontrar.
É fácil ! Basta bater à porta.
Quem sabe, com sorte, recebe até um convite para o chá.

Telas de Charles Spencelayh - (1865/1958)
Pintor Inglês.

Teresinha Oliveira. 

SÓ PORQUE É CARNAVAL !

Stanislav Plutenko - (1961)
Pintor Russo Contemporâneo.
Carnaval é tempo de deixar a vida para depois.
Quem sabe quarta-feira você encontre solução...

Autumn Skye Morrison - (1983)
Pintora Canadense Contemporânea.
Carnaval é tempo de esbarrar no amor. 
Sem nome e endereço
Sem encontro marcado
Sem resmungos, sem sacramento.
Ron English - (1966)
Pintor Americano Contemporâneo.
Carnaval é tempo de olhar com doçura 
As irreverências próprias e alheias.
 Com elas não se espantar.
Valariy Belenikin - (1961)
Pintor Russo Contemporâneo.
Carnaval é tempo de recordar 
Tantos outros que se perderam 
Nas vagas lembranças que o tempo apagou.
Claude Verlinde - (1927)
Pintor Francês Contemporâneo.
Carnaval é tempo de alegria.
Novamente criança, sair da casca e brincar.
Pirata, bailarina, cigana, sultão, melindrosa
Tudo o que quis ser e nunca será.  
Pierre de Mougins - (1966)
Pintor Francês Contemporâneo.
Carnaval é tempo de reencontrar os amigos.
 Com eles saborear o curto tempo da festa
Um ano inteiro aguardada. 
Richard Geiger - ( 1870/1945 )
Pintor Austríaco.
Carnaval é tempo de fantasia. 

De ser o herói da moça mais bonita.
A Colombina namoradeira, entre Pierrôs e Arlequins.




Feliz Carnaval!

Teresinha Oliveira.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

CÍTRICOS CABELOS.

A velhice se camufla.
Pelo menos, alguns assim julgam ao soprar velinhas incendiárias
Ou à interrogação de parafina, moderna criação de um sábio
Que bem conhece as mulheres.
Essas, que à sua vida medida mantém sob a égide do próprio Zeus.


Muitas delas, no enredo dessa trama
Renegam os cabelos que a dama tecelã do tempo urde brancos.
Ao tentá-los louros ou castanhos, recebe por vingança
De Hebe, deusa da juventude que por aí anda solta
Uma cesta de laranjas para exibir. 


Tela de Franz Xaver Simm - (1853/1918)
Pintor Alemão.


Teresinha Oliveira.









quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

FOLHA DE AVENCA.

Perdi um amor.
Junto com ele a esperança
Verde folha de avenca que dentro de um livro
Secou.

Tela de Edward Lamson Henry - (1841/1919)

Pintor Americano.

Teresinha Oliveira.

A MANIA NOSSA DE CADA DIA








Manias não são discutíveis. Cada um carrega a sua a tiracolo  e  a  saboreia como bem lhe aprouver.
Mania é como religião, política, futebol, amor.
Tem gente que adora cachorrinhos vestidos como gente. Gastam fortunas para sustentá-los como crianças do Primeiro Mundo, e ai daquele que a isso criticar.
Outros, pelos gatos se apaixonam, e igualmente os tratam.
Conheci uma velhinha em ruas do interior mineiro que bem poderia ser classificada como personagem de lenda urbana, se não houvesse eu e todos os habitantes locais topado com ela a passear seu gato num carrinho de bebê, outras vezes ao colo, acalentando-o como se o mesmo fosse o herdeiro do trono inglês. 

Pobre bichano, sufocado entre mantas, luvas, sapatinhos, toucas, casacos de tricô e fraldas. Fraldas sim. Se descartáveis ou não, nunca reparei.
Porém, melhor gato e cachorro que iguana, cobra, furão...
Muitos fazem coleções: de moedas, selos, canetas, caixas de fósforos e diversas quinquilharias. Corujas então... É o primeiro prêmio em falta de originalidade.
Distraída, cá estou eu desmentindo minhas próprias palavras. Eu que escrevi lá na primeira linha que mania não se discute.
Os palhaços aqui estampados denunciam a minha.
Adoro palhaços.
 Se houvesse espaço no meu exíguo lar e verba para comprá-los, eu os traria para conviver comigo. Em óleos, esculturas, cerâmicas ...
Por que palhaços? Não sei.
Como a figura do palhaço é muito emblemática, prefiro nunca descobrir.

E não me conte quem souber !



Telas de Barry Leighton-Jones - (1932)
Pintor Inglês 

Teresinha Oliveira.

LOUCURA DE VIDRO.

Não é possível libertar o grito
Pássaro de voo torto
Nem premeditar o gesto.
O momento não tem pernas

Nem mãos para sovar a massa.

Tanta noite, tanto dia.
Tanto dormir, tanto acordar.
O que faço eu com tanto?

Não sei como embalar
Nem onde guardar sei
Afora o canto onde tudo cabe
Além da loucura de vidro...
Dentro da minha paixão.


Tela de Samuel van Hoogstraten - (1627/1678)

Pintor Holandês.

Teresinha Oliveira.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

PIXAÇÃO

Minha cabeça ocupada, sempre com tanto a pensar, mesmo que inconclusa
Não perde tempo em se enredar nas banalidades  da vida
Se assim o fizer, sofro. 
Porém, revela-se impossível atravessar incólume e cega as raias da imbecilidade humana.
Não quando um pobre idiota, que tem a mãe perdida pelos bordéis da cidade 
Emporcalha as pedras do muro da minha casa como espelho de seu próprio espírito vazio.
Rabiscos que nada exprimem 
Borrões que apenas conferem ao autor um atestado, assinado por toda a sociedade
 Da sua falta de civilidade e bom-senso.


Tela de Claude Verlinde - (24/Junho/1927)
Pintor Francês Contemporâneo.


Terê Oliva





domingo, 12 de fevereiro de 2012

VOVÓ:VOVSKY&TETÊ.

Gaetano Bellei - (1857/1922)
Pintor Italiano.

Coisa delicada é amor de avó. 
Porque não é amor de esperar seja lá o que for.
É amor que não deseja. 
Que não tem futuro além de sua própria intensidade e tempo.
 Eugenio Zampighi - (1859/1944)
Pintor Italiano.
Amor de avó é um amor contador de casos e histórias.
 Com voz gutural e gestos largos
Faz os olhinhos brilharem ante fadas e terrores.
Muito melhor fica quando a história é real e nem um suspiro se ouve.

Pierre Joseph Toussaint - (1822/1888)
Pintor Belga.

Amor de avó é um amor cansado 
Sem pernas para correrias, saltos ou malabarismos.
Mesmo lento viaja por todo canto 
De mãos dadas com os pequenos
Para qualquer aventura.

Theodore Gerard - (1829/1895)
Pintor Belga.

Amor de avó é meio cegueta.
Mas vê ao longe o futuro que não verá. 
Giorgios Iakovides - (1853/1932)
Pintor Grego.

Amor de avó é comilão.
Cozinha isso, cozinha aquilo, tempera legumes e  verduras.
Ensina a tomar remédio amargo sem reclamar.

George Smith - (1829/1901)
Pintor Americano.

Amor de avó adora visitas e festa.
Quando chega um, mais um...
Quem sabe a cegonha logo outro trará.

Amalia Lindegren - (1814/1891)
Pintora Sueca.

Amor de avó costura tudo.
Roupa de boneca, meia furada e braço de bichinho que despencou.
Prega olho de outra cor nos amigos de pano que não se pode lavar
Porque só bem sujos conservam cheiro e magia.

Nikolaos Gyzis - (1842/1901)
Pintor Grego.

Amor de avó é envolvente.
Cerca de emoção e carinho nas voltas que a vida dá
Para um lado, para o outro
Cada um que nessa ciranda gira.


Hermann Werner - (1816/1905)
Pintor Alemão.

Amor de avó é confiável.
Sabe guardar segredos e a tudo compreende.
Se torna cúmplice, aliado, companheiro
Seja lá para qual crime for...
Até falar palavrão, tirar nota baixa ou bater no irmão.


George Hillyard Swinstead - (1860/1926)
Pintor Britânico.

Amor de avó é sorridente.
Não precisa de brinquedo ou motivo.
Basta um velho balanço no quintal para sentar
Olhar o céu e, no aveludado ritmo
Agradecer a benção de ter vivido para tal.




Teresinha Oliveira.