terça-feira, 25 de setembro de 2012

BEIJO NA BOCA.

Tela de Constant Joseph Brochard - (1816/1899)
Pintor Francês.

Da sequidão de meus lábios rachados escorre a gota vã
Ante a lembrança do teu beijo esgotado no fogo que consumiu
A canção dedilhada na harpa em fluídas notas de amor.

O desejo, a essencial malícia para usurpar os contornos
Os cantos, os céus e as línguas no afã dos apaixonados com doentia pressa 
Loucos nesse querer insatisfeito sempre, sempre ...
Evaporou na própria urgência frustrada.

Calou-se o beijo de indiscutível posse 
Na ausência do furor cego que corrompia o tempo e o espaço.
Murchou, nu de ternura no mastro caído
Da bandeira branca desfraldada aos ventos de toda questão além
Das fronteiras da boca amada.
O beijo sem filosofia, sem filtro, só beijo de boca beijado
Folha seca voou.

Terê Oliva.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

CABEÇA OCA.

Minha cabeça não mantém a face
Que compactua com horóscopos diversos.
Tampouco suporta a algazarra 
Dos meus miolos moles, que desde cedo
Dizia minha mãe para pouco serviam.

Tela de Alex Alemany - (1943)
Pintor Espanhol Contemporâneo.

Terê Oliva.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

CAIXAS VINTAGE.

Empilho as dores guardadas
Em suas caixas vintage
Adornadas com poás, rendas, flores, estampilhas...
Mais tudo que minhas mãos de artesã
Com arte intuem.

Uma sobre a outra se equilibram na torre
Que quase ao teto vai.
Ante as lembranças, sorriem com a promessa
De poesia sem rima, pungente e aflita
Que de cada uma transborda.


Terê Oliva.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

MENINAS ♥


Tela de Natasha Milashevic
Pintora Russa Contemporânea.

Menina, Menina, Meninas...
Coçam na minha cabeça
Clareiam a íris do meu olho insône
Giram na dança da vida e marcam o passo
No ritmo em que o tempo me extravia.

Doem no futuro onde não estarei.

Terê Oliva

NEGRO PACTO ROMPIDO


Tela de John Singer Sargent - (1856/1925)
Pintor Americano nascido em Florença.


Quem tu és, afinal
Estranho homem que nas espirais do meu desejo
Transita nu e se contorce no turbilhão de rendas
Das minhas camisolas velhas?

Ao consumir meu ser jamais sacias tuas células sedentas.
De minha alma o último pedaço exiges 
Como se algo restasse que já não te fora oferecido e
 Voado como folhas amarelas ao vento num fim de outono.
Meus dons, vagos dons que não atam nó ou dão liga, bem sei
Apenas armam laços com os cachos de uvas no vinho à mesa
Para que amenizes a sequidão das tuas escolhas.

A angústia foi o molde que forjou teu corpo e corrompeu teu espírito
Talvez obra de um mestre artífice que da vida e dos seres só mal intuiu.
A insânia que dentro de ti vigia,  com sofismas ilógicos
Onde o amor e a delicadeza das ilusões não são possíveis
Só o negro e a dor acolhe como reais.
Que assim seja, amém sob um céu de temporal.

Findou-se a trégua em meu coração rompido
A arrogância selou teu cavalo alado e partiu em galope
Pelas diagonais das luas findas.
Sem mais argumentos, com sangue escorrendo das mãos 
Murros em faca
Ofereço às vestes do tempo, lento senhor da verdade
Os pesos em ouro da cega deusa que através dele tudo mede.

Tela de Manuel Nunez (Nasc.1956)
Pintor Chileno Contemporâneo.

Terê Oliva / 2000



terça-feira, 11 de setembro de 2012

GRITO.



Desequilibradas, minhas palavras caem de cara no chão
Quando escorregam da poesia nua.

Não as quero dizer por assim sabê-las, capengas
de olho cego e mal vestidas.

O silêncio me angustia, porém no escrever grito.

Se ninguém na poeira meu verso cata e lê
Só me resta deixá-lo mofar, mudo.

Tela de Jean Beraud - 1849/1935 - Pintor francês.

Terê Oliva.
http://tereoliva.blogspot.com.br


domingo, 9 de setembro de 2012

ALGEMAS

Tela de Augustus Leopold Egg - (1816/1863)
Pintor Inglês.
Que laço é esse
De nó cego, surdo e mudo
Que nem a mais sofrida dor desenlaça?
Que corda é essa
De resistente fibra de algum vegetal
Que nem a mais solitária noite desembaraça?
Que fita é essa 
De laboriosa seda de tantos bichos
Que nem o mais agressivo gesto desata?
Que linha é essa
De puro algodão das flores colhido
Que nem o mais irônico olhar desalinhava?
Que cordão é esse
De vermelha lã dos pacíficos carneiros
Que nem a mais pungente mágoa desfia?
Que cinto é esse
De couro curtido com adornos de ouro
Que nem o mais frágil sentimento desafivela?
Que corrente é essa
De ferro em fogo e bigorna forjada
Que nem a mais cruel ofensa rompe?
Que mulher é essa
De pele clara e olhos de rio sereno
Que nem o mais vil forasteiro desperta?
Tela de Jean Baptiste Greuze - (1725/1805)
Pintor Francês.

Terê Oliva.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

PASSADO ESGOTADO.

Tela de Thomas Benjamin Kennington - (1856/1916)
Pintor Inglês.

Sem grinalda ou véus de noiva
Sem desejo outro além da ira torta  
Com os dedos enrugados a brasa atiço.

Ante a tal destempero 
Obedecendo apenas às deusas loucas 
Sem eira nem beira, escrevo.

Nada tenho a contar, novidade não há.
As palavras que sempre perto me seduzem
Em fuligem se transformam cada vez que as toco.

O espaço permanece inóspito
 As mágoas me despem e
Se no garrote sufocam, não morrem.

Se excisar tento os malbaratados dias
Não cabe a ti segurar o punhal
Barqueiro errante das minhas águas secas.

Te envio a carta que nunca escrevi 
Para expurgar de mim outro naco de ti.
A cada punhado teu que lá de dentro arranco
Me refaz raiz.
Tela de Delphin Enjolras - (1857/1945)
Pintor Francês.

Terê Oliva.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O LADO DO AVESSO

Tenho pressas, muitas pressas
Angústia prenha
Motivo entrelaçado nos erros
Talvez intuição de destino
Talvez delirante busca de viver outro lado
O lado do avesso, bordado
Aquele que não ultrajei.

Tela de Boleslaw von Szankowski - (1873/1953)
Pintor Polonês.

Terê Oliva

http://tereoliva.blogspot.com

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O DESTINO NO LOMBO DO TREM.

Tela de Aime Marie Constant Cap - (1842/1915)
Pintora Belga.

Nem para frente, nem para trás.
Nada se deixou e para o nada se vai.
Inércia e vazio se condensam na paisagem esgotada
Que as mãos sem talento de uma vida pintou.

As tristezas transbordam no sal dos olhos estradeiros
Que em alhures, tão distante que os pés não levam, buscam
Um motivo, mínimo fiapo, para chegar.

As malas no lombo de um trem incerto carregam
 Os desejos que em revoada delas escapam 
E na espiral do apito de um tempo findo 
Quebram o silêncio das horas.

A memória vocifera na cabeça do viajor que vê
Num pequeno espelho, à distância 
Seu destino perdido correr. 

Tela de Adolph Friedrich Erdmann von Menzel - (1815/1905)
Pintor Alemão.

Terê Oliva.