quinta-feira, 8 de novembro de 2012

NEURÓTICO DE GUERRA.



ZZZZZZ...... O sono dos justos.
Embora sem pretensões de equilibrar os pesos da vida nas mãos, assim eu  dormia, aconchegada nos braços do marido com quem dividia o leito e os dias de então. O amor resistia há muito, e um sabor de bonança atravessava nossa rotina onde o destino com tanto mais para fazer, esquecera de espalhar pedras pelo caminho.
Elas surgiriam depois, muito depois, e talvez por tanto demorarem, só delas nos apercebemos quando já rochedos de granito. 
Mas essa é outra história que melhor se conta em poesia. Voltemos a uma das noites que retratam muitas que se acumularam durante meses e meses.
Um susto acorda a madrugada.
" Miserável! Canalha! Pensa que me engana? Você não presta e mais blá, blá, blá..." 
Evitei escrever palavrões porque deles não gosto. Palavrão escrito tem peso maior que falado, e assim sendo empobreceriam meu texto e relato; mas eles lá estavam, nos gritos alucinados do vizinho velho que todos diagnosticavam como neurótico de guerra.
Os minutos passam e viram hora. Ele xinga a tudo e a todos às três da manhã com um poder na garganta que desmente a idade.
Eu, já acordada para o dia mal nascido digo adeus a Morfeu e, meio assustada meio zonza, vou atrás dos berros dementes que me conduzem à área de serviço, onde vejo a silhueta corcunda do velho iluminada pela luz de sua cozinha, andando de um lado para o outro na área em frente à minha. Somente o vão do edifício e uma cortina de plástico, grades de sua loucura, nos separam.
Uma luz acende-se lá no alto do prédio e uma voz masculina ressoa poderosa na acústica do tubo de concreto. -"Cala a boca velho, vai dormir!"
-Álvaro acorda irritado e logo me propõe mudança para nova casa. Mas acabamos de nos mudar para cá... -
 Já que fofoca é um gérmen que contamina e nos deixa sequiosos para saber dos outros tudo aquilo que não nos diz respeito, logo que o velhote em urros revelou traições e indiscrições da vizinhança, fui fazer café para melhor saborearmos as tragédias alheias.
No meio de tamanha confusão, Álvaro com um olhar malicioso sai em busca de uma colher de pau. Na volta, empunhando-a como uma arma me pede: "Grita!" 
O que!? Você ficou doido igual ao velho? 
"Vai, Terê, grita! Me xinga, chora..." 
Como bons parceiros pouco precisam de longas explicações, no seu jeito moleque logo percebi seu plano de vingança ou pura diversão. Esqueci-me de perguntar...
Imediatamente começa a dar fortes pancadas na lateral do fogão.
"Eu já descobri tudo! Pensa que sou idiota?" 
As batidas no fogão ressoam tão alto que logo outras luzes se acendem prédio afora.
-Para Álvaro! Você está me machucando! 
"Mentirosa, você está me enganando com meu melhor amigo." 
-Para, para! 
O velho calou-se. 
Nós às gargalhadas esquecemos a raiva. Sentamos no chão da área e bebendo café fresquinho, aplaudimos nossa própria encenação.
Mas qual, logo o velho maluco recomeça, ofendendo suas recentes vítimas - Nós!
"Esses dois pensam que enganam alguém? De dia é meu amor para cá, meu amor para lá, de noite é tapa p'rá todo lado!"
Álvaro olhou-me e, vencido foi procurar os classificados do jornal.

Tela de Corneliu Baba (1906/1997)

Pintor Romeno.


Terê Oliva.
http://tereoliva.blogspot.com.br
Baseado em um caso real :) 



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