segunda-feira, 13 de agosto de 2018

PAI

PAI

Meu pai era leve feito passarinho, como tal, voou para longe sem deixar rastro de tristeza, só girou a cabeça, escolheu novo jardim e foi-se. 
Tento, muitas vezes, capturá-lo entre as linhas de grafite dos seus desenhos, no eco de suas gargalhadas, nas paredes do seu bom-humor de sol a sol, na lembrança de suas mãos grandes e desajeitadas ao limpar camarões para o almoço de domingo. 
Tudo vão, tudo inútil. Não é aí que ele está. Não totalmente.
Como também não está nos filmes que assisto e desejo compartilhar com ele, amante do cinema desde molecote, Olivia de Havilland sua musa. Olivia e minha mãe, sua Linda. 

Difícil encontrar essas nuances de amor na rotina dos destinos, amor que mais dá que exige, que mais cresce que míngua ao passar do tempo.
Assim também se deu comigo. Se ensinou-me os algarismos romanos, a ver as horas num grande relógio de papelão que criou com ponteiros em art deco, a decorar a tabuada, 
 as capitais do mundo e coletivos de bichos diversos, a andar de bicicleta, a pescar... não é ainda aí que ele está.
Só o encontro muito depois, sentado à mesa da cozinha, esperando-me para rirmos da vida. Nada de política, de jornais sangrentos, de fome mundo afora. A realidade guardávamos para outra gente.
Ali era o nosso botequim, café ou cerveja, cigarros, só meus já que ele abdicara dos seus cinco maços diários há muito, tira-gostos que ele sempre descobria em latas de data quase vencida nos armários da cozinha. Quando nada dava certo fritávamos batatas ou cozíamos ovos.
Se ríamos muito e provocávamos ciúmes em minha mãe que não entendia o porquê de tanta alegria, paciência...
É nesse cenário que encontro e reencontro meu pai.
É aí, para mim, que ele sempre está.


Terê Oliva

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