quinta-feira, 3 de maio de 2018

NOS MOSTEIROS DO FUTURO


Imagino, nesse voar por aí que me dá, sempre ao virar a última página de um livro e fechá-lo com essa sensação de adeus numa estação de trem, se daqui a vinte anos alguém o comprará em um sebo no centro da cidade.
Não há onde, ou como, ou quem guardar tantos livros meus nos modernos poucos metros quadrados do lar doce lar de cada um. Às vezes nem eu.
Quando me for sem volta, meus livros surrados sairão do caminho da minha gente. Creio que serão encaixotados com carinho para o destino futuro, mas mesmo assim terão que partir. Talvez sejam doados para uma biblioteca pública, distribuídos para quem os quiser ler.
Não sei bem explicar minhas visões, mas sempre os imagino através da poeira  num sebo das históricas ruas da cidade. Loja de pai para filho para neto, com piso de azulejos rachados, estantes de madeira empenada, cheiros, fungos, espirros, sem água onde lavar as mãos imundas de pega esse, lê um trecho daquele, esse não porque tem dedicatória do escritor e deve ser caro, poesia ou ficção?
O avesso das modernas livrarias com direito a poltrona, ar condicionado e cafezinho. Conforto sem romantismo ou prazer de garimpo.
Nisso tudo penso ao olhar a capa do "Um Cântico para Leibowitz" - Walter Miller Jr. Coloco-o numa pilha de ofertas do meu sebo ilusório. Leve três pague dois.
Livro velho, bem baratinho, cultura de tostão.
Sabedoria de autor pensativo que se angustia e questiona o caminho da humanidade que se perdeu de si mesma, e sem ter mais para onde ir, escondeu-se na biblioteca de um mosteiro dos séculos futuros.
Bom livro. Pode comprar pois vale a pena ser lido. Aliás, ler sempre é uma boa decisão. Até as tolices, se nada ensinam, distraem, e se por nada disso, servem para discordar do escritor, se arrepender de tê-lo comprado, odiar o final, reclamar do preço e do tempo gasto.
Que mais direi a esse amigo desconhecido que correrá os olhos e as ideias pelas páginas que já percorri? 
É tarde, noite quase madrugada no calor de outono. Estou cansada.
Compra o livro que conto o resto amanhã.

Tela de Caspar David Friedrich - 1774/1840 - Pintor Alemão
"Mosteiro Ruína Eldena" - Óleo sobre tela.
Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com