domingo, 31 de julho de 2011

ANJO DE ASAS DEPENADAS

Num recanto da minha alma sem eira nem beira
Descansa um anjo, nem bom nem mau
Apenas um anjo com asas depenadas.
Na outra quina vive um demônio sonâmbulo
Sempre torto de sono, desassossegado
Que vez ou outra, perverso
  Arranca mais penas do anjo.
Este, pobrezinho, se esquiva gemendo
Com dor de pena arrancada e atrás da própria dor se esconde
Toda vez que mais dele preciso.

Com meu jeito distraído
Quase volátil de pensar nas coisas todas
Observo e tento intervir, juíza de toga rasgada
Quando a decisão é de crianças
De querubins, de diabruras.
Mas quando o céu pega fogo a me apoquentar o juízo
Arcanjo contra Satã em duelo imortal
Eu só me encolho e espero
Com a face de serenidade forjada
O turbilhão das emoções desaguarem
Para saber o que não fazer de mim.

Obra de Lisa Lichtenfels
Escultura em tecido

Terê Oliva




sábado, 30 de julho de 2011

ESCUDO E ADAGA

Riso estranho esse...
Ecoa, mas não convence
A própria alegria que dele foge.
Finge-se de riso
A tristeza que lá dentro mora
Há tanto que virou sempre
Em algum beiral da alma sentada.

Não olhem assim para esses olhos
Nem ouçam assim esses risos
Procurando entender o que mesmo eles
Cegos e roucos desistiram.

Brilham os olhos
Sorriem os lábios...
Por hábito
Ou por escudo e adaga.

Paul Gustave Fischer (1860/1934) - Pintor Dinamarquês.

Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com.br



PÁSSARO

Dos pássaros empresta a plumagem.
De todos, te torna o mais belo, mais forte, viril.
Derrota aqueles que de mim ousam se aproximar
Com tuas garras os destrói.
- Ave transoceânica -
Arrebata-me nas asas dos ocultos desejos.

Atravessa comigo montanhas de gelo
Escaldantes planícies
Que sozinha não posso transpor.
Voa comigo à terras estranhas
Aos exóticos templos de longínquo continente
Que pulsa etéreo em vagas no meu ventre.

Fogo sagrado que dilui a solidão
E transgride o eu.

 Archibald Thorburn - (1860/1935) - Pintor Escocês.
'A Greenland or Gyr Falcon'

Teresinha Oliveira

sexta-feira, 29 de julho de 2011

PARA ANDRESSA...


Francis Coate Jones - (1857/1932)
Pintor Americano


Scott Burdick
Pintor Americano.


Arthur Heyer - (1872/1931)
Pintor Alemão-Húngaro

Louis Leopold Boilly - (1761/1845)
Pintor Francês

Para Andressa, que nem sei quando faz aniversário
Mas que também ama os gatos.

Teresinha Oliveira.

DESCOMPASSADO - BLOG REMINISCENTIA.

Mais uma vez me vejo obrigada a te encontrar fora das paredes do teu Blog.
Continuo sem entender porque escolheste esta vida reclusa, meio eremita, que prefere o silêncio aos comentários alheios.
Respeitando tua vontade que me tolhe o espaço, comento aqui, nessa minha casa desarrumada, o "teu" DESCOMPASSADO.
Amor é sentimento que ocupa muito espaço e para doer basta um toque no lugar errado, um olhar que no horizonte esfumaça, um sorriso constrangido, um verbo mal conjugado. 
Amor cada um tem o seu, com perfil e medida própria, e não pode simplesmente ser trocado quando a escolha se revela frágil.
 Assume-se o risco ao alojar uma paixão no peito. 
O outro que descompassa ao ser abandonado, merece compreensão e respeito, pois a realidade perde o sentido quando se é ferido como bicho por essa seta de desamor que atordoa, pé preso numa armadilha que sangra e impede o passo.
 Ninguém suporta não ser amado. É ilógico! 
Para amenizar a dor e cerzir os ferimentos, melhor mesmo é se esconder numa alcova e só voltar à vida com a desilusão  serenada. 
Esse amante, sobrevivente que carregará para sempre a cicatriz da perda, não a exibirá além dos limites do próprio espelho se astucioso se revelar.
Tal decisão não suprime a tristeza nem fortalece para o próximo sobressalto, se de verdade for o amor, mas manterá na face a máscara necessária para o dia do novamente.

Tela de Elihu Vedder - (1836/1923)
Pintor Simbolista Americano.

Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com

LAREIRA

Tela de William Withaker
Pintor Americano Contemporâneo.

A luz expande o agudo apetite no lirismo da pele nua 
 O ímpeto de movimento dissolve-se no tinto da taça.
 Sou bicho rastejante que estica e encolhe
O corpo até o ópio do langor absoluto.

Deito contigo, lassa, porque agora é hora dos anjos
No tapete leito de ovelha lã tecido aguardo o dobrar do sino.
Quero em teu corpo amornar os tempos anárquicos
Da espera longa que quase se rompeu.

Anos frouxos da vida ter de viver por hábito
E por sem vontade na ampulheta aprisionada
Quando distante de ti.

Arrebata-me como uma vestal do fogo
Entre as labaredas que teu ômega amor gerou
E me sacia até o imprevisto do verbo e do desejo.
Tela de Delphin Enjolras - 1865/1945
Pintor Francês.

Teresinha Oliveira





quinta-feira, 28 de julho de 2011

VISÃO DE LAMPARINA


Meucaminhos eu mesma desencontro e neles me lanho entre fomes e frio.
Perco-me e tateando às cegas, sigo o instinto de bicho arisco que rejeita o afago
De mãos indiferentes que no gesto raso movem-se sem convicção.
As escolhas de névoa só a mim competem como ser e labirinto.
Não venhas tu, pretenso juiz de barba mal feita e corvos pousados aos ombros
Espantalho de um campo seco
No paroxismo da verdade em que a vida se perde
Ensinar-me o percurso correto ante teus olhos míopes
De visão turvos
Que vagueiam em lamparinas crendo ser faróis.

Tela de George Tooker -1920/2011- Pintor Americano.

Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com.br

Bom dia, Sol!


Entro sem bater ou pedir licença para entrar. Lanço mão da conhecida senha para invadir esse espaço tão caprichado, com algumas palavras tortas.

Quem conhece minha mãe a desconhece em igual proporção. Não que seja uma mulher misteriosa, enigmática, ao contrário. Mas quando julgamos não haver nada mais por descobrir sobre ela, eis que surgem revelações sobre talentos desconhecidos, histórias divertidíssimas sobre sua juventude, uma citação na ponta da língua de um poeta persa que só ela conhece.

Não tendo como escapar da nostalgia, sou tomada por reminiscências: nossas conversas à varanda sobre primeiros namorados – difícil encontrar moça de sua geração tão precoce! Aos 12 anos já beijara na boca, para minha inveja de menina ˗, suas roupas almiscaradas, sua gargalhada alta, seus cadernos (tantos cadernos) espalhados pela casa, os óculos sempre tortos pelo hábito de esquecê-los no rosto ao dormir.

Lembro-me em particular de um episódio em que, sentada à mesa com o inseparável cigarro, a xícara de café já morno, a avistei escrevendo freneticamente em um dos seus cadernos. “Adoro o som do grafite no papel, você não?”, ela perguntou. Confesso que jamais havia pensado nisso; concluí, à época, que ela estaria ficando louca, já que era alta madrugada, e ela estava debruçada sobre seu “ofício” há umas quatro horas seguidas. “Só faltam 40 gatos para ela se tornar uma Hilda Hilst...”, pensei. Parece que ela adivinhou meu pensamento, porque pouco tempo depois disse que a loucura era uma bela forma de refúgio. “Deve ser fascinante morrer completamente louco”. Estremeci.

Tantas vezes a vi dobrar-se ao verbo com devoção... “Discutia” com os autores nas próprias páginas dos livros, todos rabiscados, ainda que seja criminoso referir-me à sua caligrafia como rabisco: sua letra é lindíssima, a mais bonita que já vi. Apesar de sua filha, eu proibia que ela tomasse emprestados meus livros, sob o risco de voltarem sujos de café, manga, ou o que mais surgisse no caminho de sua leitura. Dei-me conta, tarde demais, de que os livros gostam de quem os toma assim, com entrega e despudor. As páginas limpas demais de meus livros denotam assepsia; os dela demonstram uma relação de amor.

Depois vieram os filmes, outra compulsão. Assistia a três, às vezes a quatro por dia. Ia desde os cult do cinema europeu às açucaradas comédias românticas americanas, sem preconceito. Não raras vezes a flagrei degustando infantis da Disney com um entusiasmo de dar inveja às crianças.

Trata-se, ainda, da única pessoa desse mundo que acorda de bom humor todos os dias. Só quem convive sabe o quão irritante isso pode ser. Não satisfeita em ser feliz sozinha, ela faz questão de contaminar a todos em volta: já cedo começa a cantar jingles antigos, à la “Crê-Cremogema-Cremoge-ma-é-a-coisa-mais-gostosa-desse-mun-do...”. Em seguida somos bombardeados com “Bom dia sol, bom dia ar, bom dia água...”. Parece inofensivo e até pueril, não fossem os altos decibéis que sua potente voz alcança sem esforço às seis da manhã.

Como mãe é a melhor avó que existe. As netas podem tudo; e é inimaginável a extensão deste “tudo”. Para se ter ideia, um dia fui buscar minha filha em sua casa e, para meu espanto, estavam as duas, avó e neta, com as mãos lambuzadas de tinta. Até aí nada demais, até que visualizei os muros brancos da casa: estampavam diversas mãozinhas, umas maiores, outras menores, em uma aquarela de cores. Van Gogh não tinha tanta inspiração.

Hoje é seu aniversário. Felizmente, minha mãe é avessa a clichês, ainda que eu tenha escorregado em alguns ao escrever esse texto. Como dispensa de bom grado o que a maioria das pessoas ganha em datas assim, resolvi fazer-lhe uma surpresa. O surpreendente é que pensei ser difícil começar, e de repente me vi tendo que ser suscinta sob risco de ser prolixa ou só a ela agradar. Escrever sobre uma personalidade tão incomum e divertida é fácil. Ao final, concluo que o presente é meu. Ops, lá vou escorregando no clichê novamente...

Feliz aniversário, mãe. Com todo o meu afeto.

Ana Cecília

quarta-feira, 27 de julho de 2011

PROMESSA

Escrever histórias eu escrevo, prometo!
Longas, repletas de mistério e romance; como a da jovem O-Lan, que após muito correr pelas vielas da aldeia chinesa de Yuhuan, escondeu-se no sótão da velha loja de pães com as moedas que roubara... Não!
Vou lhe esperar.
 Eu as lerei em voz alta para que as personagens se aproximem e sentem-se conosco diante da lareira acesa, nessas noites de outono frio.
 Mas peço que acelere seus passos e surja logo em minha vida para ouvi-las.
Já preparei seu lugar, elegante e sóbrio como você, cercado de livros e boa música, com queijos e tintos de safra escolhida.
Continuo esperando...
Sentada no chão em meu vestido de festa.

Tela de François Martin-Kavel - (1861/1931)
Pintor Francês

Teresinha Oliveira


PRESENTE PARA DENISE♥AQUELA QUE AMA OS GATOS...

Antoine Jean Bail


Charles Wysocki



Juan Cordero Hoyos (1822/1884)
Pintor Mexicano






Vladimir Dunjic

Cecilia Beaux ( 1855/1942)
Pintora Americana



Lovis Corinth (1858/1925)
Pintor Alemão

A constelação de Leão brilha mais luminosa no céu nas noites de julho e agosto, e os felinos se agitam orgulhosos - é o que todos dizem - pelas savanas e ruas.
Mais um ano se fecha no aniversário.
Tem gente que não se importa, que nem gosta de ser lembrada, que deseja verdadeiramente sumir. Até se aborrecem com o bolo-presente que mãe insiste em fazer, mesmo com vela esquecida, que se transforma em fósforo ou na longa e colorida tirada do castiçal da sala. Sem fogo a sorte não vem.
Parabéns para mãe é sagrado. Foi ela que gerou e pariu o aniversariante, e o amou desde então, a cada ano somado no cume do bolo.
A face mau-humorada fica registrada na foto, pois sempre tem algum inimigo com celular para acionar o clic na hora H.
Mas ao apagar das velas o tormento se acaba, e se tiver sorte, todos vão logo embora. Até o próximo ano. Adeus.
Mas como tudo na vida, o inverso existe.
O dia e a noite, o branco e o preto, o masculino e o feminino, e os que adoram o próprio aniversário também.
Tenho amigas que acordam com o celular no bolso, para não se arriscar a perder um único cumprimento. Pode ser do ex-namorado que a traiu com a melhor amiga... Mas o cretino lembrou. E ai de você se esquecer essa data importantíssima do calendário mundial! A amizade ficará abalada por semanas.
A festa, às vezes, se prolonga por dias. É comemorada com a família, num restaurante com o pessoal do trabalho, num barzinho com os amigos e assim vai, de parabéns em parabéns, ao esgotamento da alegria.
Por isso escolhi esse canto escondido para felicitar a todos os meus amigos. Aos que do aniversário lembrei, e aos quais dele esqueci.
Leoninos, sagitarianos, virginianos, taurinos... E a todas as constelações do céu
Feliz Aniversário.

TERESINHA OLIVEIRA.



segunda-feira, 25 de julho de 2011

PREGUIÇA.

Quando ele passou
Rastro em perfume de pinho
Eu o segui, caçadora
Leoa faminta pela presa escolhida.

Mas desisti após a primeira esquina.

Tela de Andre Kohn  (1932)
Pintor Francês.

Teresinha Oliveira.

SUPERLATIVO

Você é um homem muito feio!
Que homem mais feio você é.
Fique quieto por aí
No banco do botequim sentado
Devorando-me com esse olhar de ressaca amanhecida.
Não arrede pé, se não daqui fujo
Como o diabo da cruz ao seu menor mover.

Muito feio é você todo
Sem pedaço algum que amenize outro pedaço.
Continue mesmo assim, a ver o mundo tropeçar
Patética figura.

Chance alguma tem ao menos de um sorriso
Que por sorte sua, piedade minha
Faria você sentir-se bonito.

Ilustração de Denis Zilber
Artista Israelense


Terê Oliva

BORDADO EM CRUZ

Espalhei toalhinhas bordadas em cruzes
Sobre móveis, sob vasos
Combinando cores de linhas e flores.

Pus-me a imaginar
Os pensamentos que voaram através dos dedos
Da gentil bordadeira
Nas encruzilhadas da agulha.

Tela de Edmund Blair Leighton - (1852/1922)
Pintor Inglês

Teresinha Oliveira

CÍRCULO

Minha existência é assim
Bem sei...
Tal não oculto, nem de mim
Mesmo quando a folia se insinua
Nos sopros e cordas de nova música.

Fragmentos de retas, paralelas
A  lugar nenhum conduzindo
-Infinito-
Além do meu próprio traço, abraço
Eixo partido.

Se dói?  Não dói. Apenas sangra
O desejo de ser círculo.

Tela de Wassily Kandinski - (1866/1944)
Pintor Russo.

Terê Oliva  (1996)
http://tereoliva.blogspot.com

MOSAICO

Fragmentos de imagens
Mosaico
Caleidoscópio de passado esmaecido
Em memória.
Mil espelhos quebrados
Sete azares multiplicados
Em dia hoje vividos.

Tela de Jackson Pollock - (1912/1956)
Pintor Expressionista Americano.

Teresinha Oliveira (1998)

domingo, 24 de julho de 2011

TERCEIRA IDADE

Criou-se o eufemismo de afirmar que a Terceira Idade é a Melhor Idade.
Não exageremos...


Porém, algumas coisas perduram, e até melhoram com o tempo.
O amor é uma delas.
Igual a bolo, que com fermento e calor cresce.
Só não pode abrir a porta do forno antes dele estar pronto
Porque aí ele sola, e não tem mais jeito.


Essa intimidade e conforto não tem juventude que pague.
Estar junto também é lazer.


O lanche é sinal de carinho.
Mesmo quando o sujeito desaparece sem dizer para onde foi.


Ou se torna desajeitado e porcalhão
Que arruína teu bom-humor e dá mais trabalho que as crianças. 


É o melhor momento para se reunir com amigos que há muito não se vê.
E contar casos, e relembrar coisas boas
E ruins também.
Faz parte desse jogo da vida que todos jogamos.
 


Namorar e mais uma vez perceber que se fez a escolha certa.
Esquecer os ímpetos assassinos e a ideia de fazer as malas.
Até porque não tens mais para onde ir
Nem pernas sadias para a caminhada. 


Viajar para onde sempre se desejou e nunca se foi.
Ou porque o dinheiro era curto
Ou porque não havia com quem deixar as crianças
Ou porque era muito longe.
Esta é a fase do agora ou nunca !


Se reapaixonar pela mesma pessoa
De um modo novo. 


Conviver com gente nova, que foi chegando...
Num caos de alegria e esperança.
Esperança de que todos partam o mais rápido possível
Depois que a saudade foi saciada.

Tentar se manter jovem, mesmo que isso te envelheça
dez anos .


Lidar com coisas novas, modernas e confusas.
Está certo que as anotações nada esclarecem
Que não há nenhum sábio jovenzinho por perto
Com boa vontade -isso é raro- para ajudar.
Mas é preciso tentar. 

É a chance de mostrar ao mundo teus dons artísticos.
Afinal, ninguém almeja ser um Renoir


Hora de praticar esportes radicais.
Papel ridículo cada um de nós já encenou vez ou outra
Machucar um braço ou tornozelo não é tão grave assim
Só não pode é quebrar o fêmur.

Mas cuidado com certas aventuras.
 A pressão sobe com a adrenalina
E o comprimido pode não estar à mão.


Boa  hora também para a música.
Quem sabe aprender a tocar piano...
Aquele que um filho abandonou na tua casa
Por não ter espaço no quarto e sala dele. 

O Natal agora tem um sabor diferente
Época feliz de reunião, de reencontro, de presentes e comilança
De mais um ano. De tempo.
Tempo para amar essa gente toda que te cerca e que te ama também.
Simplesmente ser feliz
 Até o próximo, o próximo, o próximo, o próximo ...





Ilustrações de Marius van Dokkum

Texto: Terê Oliva



POEMINHA ALADO.

Um passarinho fez ninho dentro de mim
Ainda menina...
Mas meus sonhos de asas e gravetos
Perderam-se nos ventos
Em que o tempo me arremessou.


 Calendário - Julho/ 1915
Adaptado para 2011

Teresinha Oliveira (2000)

sábado, 23 de julho de 2011

FRUSTRAÇÃO.

Sou rara
Sou tantas
E tanto
Que não sou.

Tela de Kees van Dongen - (1877/1968)
Pintor Holandês

Teresinha Oliveira

♫ ASSASSINARAM O SIRI

Assassinaram os siris, e alguns camarões também. Não muitos, porque de parrudos tinham seu preço em ouro. Quase embrulharam com papel de presente e laçarote de fita os poucos quilos comprados.
Os siris vivos, como reza a lenda devem ser cozidos, enlouqueceram a cozinheira e fizeram a festa da criançada, ao perseguir um mais intrépido que pulou da panela e quase chegou à sala.
Anchovas fritas e mexilhões ao molho de mostarda completavam a oceânica comilança, há muito programada e adiada vezes sem conta, como sempre acontece quando família e amigos marcam um encontro. Carioquices...
É doença de filho, aniversário de sobrinho, trabalho acumulado, temporal, casamento de fulano,carro enguiçado, avó no hospital, dinheiro curto, viagem inadiável...
Parecia que o universo conspirava contra nós e a favor dos siris.
Afinal o sol brilhou um dia lindo e a alegria, companheira constante, serviu vinho de várias cores e perfumes, derrubou sobremesa na toalha limpa, contou piadas e casos, até louça lavou.
Entre tantas gargalhadas e sabores, alguém, ninguém sabe quem ao certo, registrou  esses dois pares de olhos verdes, cor do mar onde esses bichos vivem, brilhando de gula sem disfarce.



Teresinha Oliveira
   


UNHAS QUEBRADAS.

Aqui do meu canto
No avesso de um tapete,chão
Sôfrega entre paredes de ti
Assisto sem mãos
De fazer, não sei mais.

Tela de Inna Cukachina

Teresinha Oliveira.


REDOMA.

Na redoma prisioneiro
Escudo invisível
A proteger
Dos retalhos de afeto que por pouco não há
O rijo senhor
Que no vidro selou morada
Sem fresta possível
Por onde rachar.
Diamante em risco inútil
Nessa transparência de sombras.

Assim prossegue aquele
Que no embate merecia fé
Até um naco de amor talvez.
Entretanto
No silêncio do peito lacrado
Basta-se só.
Definha triste, dialeto nefasto
Esperando por ela
Que com foice na pedra do músculo afiada
A redoma estilhace
Libertando o ser
Que na cela sem honras
Vivo jazigo
Só por ela ansiou.

Óleo em tela de Imre Szobotka
(1890/1961)
Pintor Húngaro

Teresinha Oliveira - (1995)

À DERIVA

Meu amor, perdoa o nó cego
Sem rotas a cursar
Não tens mais em tuas mãos
O norte da minha vida.

Não quero mais te acompanhar
É teu o timão destino
- Escura lua guia -

À mim sobram dunas, praias
A fúria das paixões que vibram
No estalar do açoite a me lanhar
As coxas, os seios
Tatuagens em profundos cortes.

Minha ternura, livre do vulto teu
Mira as cadentes
E aprisiona nos olhos
Esquiva visão, possível enfim.

Não mais a maré indecisa
Que nunca enche para me fartar
Do sal da água
Do arrepio que o frio traz.

Parada na pedra da beira
Com vestido estampado
Nos peixes com asas, escamas de luz
Espero.
Quieta espero
Com um sonho guardado na palma da mão.

Tela de John McGhie - (1867/1952)
Pintor Escocês

Terê Oliva