quarta-feira, 30 de maio de 2012

VAPOR DE ÁLCOOL.

Tela de George Henry Hall - (1825/1913)
Pintor Americano.


Sem uma gota de vinho corrosivo no sangue
A florear os pensamentos e inflamar a ostra, fica a cabeça
A olho nu, vidente nas folhas do chá de hortelã
No fundo da xícara, enquanto a festa se faz. 
Um conquistador sem flâmulas, desiste e acena
Banido na escuna que parte, através dos vapores pagãos
Para aquém da senhora que sob seu membro trôpego
Não se estendeu.

Tela de Ludovico Marchetti - (1853/1909)
Pintor Italiano.


Terê Oliva.

terça-feira, 29 de maio de 2012

PINGOS DE MANGA

Tela de Asta Elise Jakobine Nörregaard - (1853/1933)
Pintora Norueguesa.


Pobres livros meus!
Manchados de gordura, café então nem conto
Com vergonha por tamanho destrato.
Os riscos não tanto me envergonham
Porque os traço com grafite e mão boa
Que consegue retas quase precisas sem régua.
Gens de desenhista, e dos bons.
Sujos, é bem verdade, ficam.
E reescritos... Às vezes parágrafos inteiros
Quando discordo do escritor ou a ele quero fazer pensar
Num rasgo de presunção, com a minha reles cabeça oca 
Sem um único fio de cabelo talentoso.
Com poetas também cochicho
Baixo e com minúsculas letras
Por respeitos à Musa Poesia, que logo mostra meu lugar.
Porém nem assim fico calada, e emendo uma pergunta 
Uma ideia nova no verso curto, com espaço
Para eu inserir o que na cachola foi despertado.
O mais vergonhoso, entretanto
Deliciosa mania da qual não me consigo livrar
É lê-los a comer mangas. Muitas mangas
Somente as espadas, preferidas frutas.
Meus livros tornam-se delas fruteiras
Na safra ou fora dela, porque no Brasil tropical
Elas nunca desaparecem de vez.
Quando os presenteio a amigos leitores
Ou os envio para bibliotecas públicas, imagino 
Se o próximo leitor descobrirá a que se devem
Aquelas inúmeras manchas amarelas.
Saborosos borrões, pingos de manga na mania de ler.

Tela de Julius LeBlanc Stewart - (1855/1919)
Pintor Americano.


Terê Oliva

segunda-feira, 28 de maio de 2012

DOMINGO ♥

Tela de Kate Perugini - (1839/1929)
Pintora Inglesa.
* Filha de Charles Dickens *

"Quando vozes de crianças se ouvem na relva
E risos se ouvem nas colinas
Meu coração descansa no meu peito
E todo o resto fica sereno."
William Blake (1757/1827) - Poeta Inglês. 
Tela de Ernest Antoine Auguste Herbert  - (1817/1908)
Pintor Francês.

Terê Oliva.  

EQUIVOCADA SAGA

Certos destinos têm cheiro de fracasso
Não importa quão róseas tenham sido
As promessas no nevoeiro de silêncio
Que antecedeu à luz.

Gastou-se a esperança para salvar
Uma vida assim marcada
Com histórias para contar, um excesso delas
Penduradas numa tipoia de dentes rangendo.

A mistura do improvável com um engasgo
Gerou o engolidor das decisões erradas
Que conhece o peso de cada uma em toda extensão.

Não há sorte ainda a ser lançada, nem talismã
Nem sangue real que reverta

A saga desse ser equivocado.


Tela de Charles Louis Lucien Müller - (1815/1892)
Pintor Francês.

Terê Oliva
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quinta-feira, 24 de maio de 2012

DIA DE FEIRA

Tela de Victor Gabriel Gilbert - (1847/1935)
Pintor Francês.
 Tela de Anton Ebert - (1845/1896)
Pintor Alemão.

Tela de Eugene Von Blaas - (1843/1932)
Pintor Italiano.  


Tela de Frans Meerts - (1836/1893)
Pintor Belga.

Tela de Lemuel Everett Wilmarth - (1835/1918)
Pintor Americano.
As feiras sobrevivem.
Aos tempos modernos, ao sol, à chuva.
Há nelas um encanto poético que pulsa
Entre labirintos de toldos coloridos
Se espalha como as lagartas nas verduras
Os bichos nas frutas
Os gritos do feirante: moça bonita não paga
O cheiro dos peixes, do óleo dos pastéis.

Caminhar através delas sem objetivo
Sem fome de mangas, espadas, sempre elas
Sem obrigação de cozinhar almoço
Sem cuidados com escolha ou preço 
Sem sacola atrasando o passo
É passear numa tela de rico motivo
Que mesmo um pintor com ralo talento é capaz de criar.

Tela de Norbert Goeneutt - (1854/1894)
Pintor Francês.

Tela de Petrus Van Schendel - (1806/1870)
Pintor Holandês.

Tela de Robert Payton Reid - (1859/1945)
Pintor Britânico.

Tela de Stefano Novo - (1862/1902)
Pintor Italiano.

Tela de William Powell Frith - (1819/1909)
Pintor Inglês.
Terê Oliva.

AS FADAS DO SEU RENATO 2

Já contei a todos.
Se ainda não sabe, ouça com olho bem aberto
Porque história assim, embrulhada em presente
Não se imprime em livro
Embora bem se pudesse, para as crianças
E sonhadores que no impossível creem.


Meu vizinho, da florida casa na esquina
Morreu sozinho sem se saber de quê.
Foi-se embora com uma paz tão larga no rosto
Que suscitou versões das mais variadas entre aqueles
Que vivem atrás das cortinas na vida alheia.
Somente eu sorria para o jardim tentando ver o que ele via.


Sob as rochas que despencaram agridoces da morte
 Caiu o velho Renato, sorrindo leite e mel
Para as fadas que a cada nova primavera
Surgiam em seu jardim e com ele conversavam.
Por escárnio aos descrentes ele tal jurava de pés juntos e dedos descruzados.


Assim ficou ele sabendo, ouvinte de orelhas bem lavadas 
Sentado na terra úmida de onírica manhã 
Os mistérios dessa aparição.
Vinham aos bandos com função de agulha e linha
Costurar vestidos novos com pétalas das flores recém-nascidas.
Se sobrasse tempo, e capricho em dedos mais hábeis
Debruavam golas, punhos, bainhas, decotes
Com fitas verdes, tricotadas com finíssimas lãs de grama.
Só depois de prontas partiam, deixando beijos no até breve.
Para onde iam todas de roupa nova
Mantinham em segredo.
Só revelaram, em seus murmúrios de amêndoa doce
Que carregavam para o céu dos destinos
A imagem do velho jardineiro para abrir caminho  .


Telas de Franz Dvorak - (1862/1927)
Pintor Húngaro.

Terê Oliva.
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terça-feira, 22 de maio de 2012

PENSAMENTOS AZUIS.

A paisagem da janela alta nada novo traz
Aos pensamentos azuis que na pele afloram.

O beijo permanece nela estático
Preso aos tentáculos de um tempo ido.

O vinho no cristal não abranda
Todas as febres que nela fervem.

A lágrima, enfim livre corre
Não há porque a conter.
.......................


Telas de Nicoletta Tomas - (1963)
Pintora Espanhola Contemporânea.

Terê Oliva.

CAPRICHOS DA MEMÓRIA.

A própria surpresa se espanta.
Coloca as mãos na cabeça

Boquiaberta fita
Os fragmentos de vida
-Caprichos da memória-

Que o vapor do vinho regenera
Em cor
Em ação.
Volátil matéria
Nas névoas do passado renascido.


Vívidas horas de um amor presente.
.....................


Tela de Jack Vettriano - (1951)
*Jack Hoggan
Pintor Escocês Contemporâneo.


Terê Oliva. 

AS FADAS DO SEU RENATO.

Seu Renato morreu.
Morreu sozinho, sem diagnóstico. Apagou como um palito de fósforo que consome a chama em si mesmo durante a existência de luz. 
Diziam as vizinhas fofoqueiras que era doutor, doutor em quê nunca descobri. Como curiosidade não faz parte de mim, os anos passaram e nunca perguntei.
Esse título vazio, nos bons-dias e tardes passava ao largo dos nossos sorrisos e sincero desejar.
Era um velho bonito. Peguei-me muitas vezes observando cada detalhe da sua figura gasta, e no gracejo do seu olhar eu, encabulada, percebia que ele o sabia, talvez gostasse .
Morava na pequena casa da esquina, tão linda de flores que até parecia um cartão postal europeu. Ele as regava todas as manhãs; limpava os canteiros, varria o quintal, acarinhava as árvores. Curvado e alegre isso tudo fazia enquanto falava sozinho. Era então o que eu pensava dessa conversação anciã.
Amava passarinhos e lhes imitava o canto. Certa vez, ao lado do pé de vaca  cor-de-rosa que eu plantara na calçada, entre comovais e tudobens, revelou seu talento e, igual a moleque peladeiro fazendo embaixadas com bola de meias, começou a se exibir assobiando canários, sanhaços,curiós.   
Como desses pios sou alheia, pouca diferença percebi. Bem-te-vi era fácil, porque a avezinha cantava o próprio nome: Bem-te-vi, bem-te-vi...
Ele, comprido como a vida e fino como agulha de tricotar, espalhava bom-humor em cada palavra dita. Em alguma primavera especialmente florida elogiei seu jardim; e ele, com seu olhar enrugado de mansidão disse-me: 
- As flores se coloriram com tamanho esmero para receber a visita das novas fadas. Até os arbustos estão felizes com a chegadas delas.
-Fadas? Que fadas?
-Nunca lhe contei? Pensei já haver contado. As fadas sempre aparecem nessa época do ano para trocarem seus vestidos, que se rasgam depois de tantos meses voando através dos sonhos.
-Fadas? No seu jardim?
-Sim. Elas fazem seus vestidos com as pétalas das flores. Algumas mais caprichosas até os bordam com grãos de pólen ou finíssimos fiapos de grama. Dá até prazer de ver.
-O senhor vê essas fadinhas costureiras?
-Claro, D.Teresa. Até converso com elas, mas elas pouco falam; piscam um meio olhar e continuam escolhendo cores e flores preferidas.
Elas não tem tempo a perder. Assim que estão prontas, lindas em suas vestes esvoaçantes, partem quase invisíveis pelos céus das cabeças de todos nós, carregando os desejos que nelas recolheu em suas pequeninas mãos.
Nesse momento, analisei a caduquice do meu amigo. Não somente as fadas o visitavam, Alzheimer também devia estar por perto, sentado na poltrona da sala, bebendo chá com biscoitos. 
-Cada sonho de futuro, cada saudade, cada lembrança boa, cada carta que não escrevemos, cada recado de ternura... Tudo isso entregam ao destinatário escolhido. Eu mesmo já pedi que levassem um bilhetinho meu ao filho que nunca tive.
-Eu, Seu Renato, gostaria de mandar um pedido de desculpas ao filhotinho de gato preto que abandonei na praça. Pode parecer bobagem, mas é uma culpa que carrego. Culpa boba, reconheço, mas culpa é culpa, independente do tamanho do gato.
-Se a senhora pedir, elas entregam.
-O senhor só vê fadas, Seu Renato? E anjos?
-Ora, a senhora pensa que estou maluco? Os anjos vivem nas igrejas, não nos jardins. 
Eles são sérios, alguns até carrancudos, não falam com as pessoas. Uma vez, alguns pequeninos até me agitaram as asinhas quando fui à missa de domingo na Catedral, mas logo voaram.
Temendo que meu doce vizinho me convidasse para conhecer as fadas do seu jardim, despedi-me com um até amanhã que não houve. Elas o levaram antes, para seu mundo mágico, vestidas com as flores do seu jardim.
Algumas semanas depois, varrendo minha calçada, olhei para a casa fechada do Seu Renato. Apoiada no cabo da vassoura fiquei ali, pensando na beleza de sua vida solitária, na alegria simples que ele colhia de seu jardim.
Quando despertei desse devaneio, corri para casa com medo de enxergar uma nuvenzinha de fadas sobrevoando, tristonhas, o jardim agora abandonado. 
Daqui a pouco, sou eu quem encontra o Alzheimer para um cafezinho...


Tela de Harry Herman Roseland - (1867/1950)
Pintor Americano.


Terê Oliva.  






   









sexta-feira, 18 de maio de 2012

TOPÁZIOS

O amor rompeu o ar.
Foi difícil contê-lo
Face à rocha-mãe
Que pariu topázios azuis
E nos teus olhos guardou.

Talvez não fosse verão...
Talvez não houvesse peras em calda à mesa...
Talvez não tremesse o coração asmático...

O azul dos teus olhos não bastasse.
...............

Tela de Julia O. Bekhova - (1964)
Pintora Russa Contemporânea.

Terê Oliva

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quinta-feira, 17 de maio de 2012

GALÁXIA

Atravesso sem temer 
Nua do corpo que em névoas esvaece
A Rosa dos Ventos entre meus seios cultivada.

Através das constelações de todos os signos viajo
Sacio a sede na Grande caçarola da Ursa
Esbarro em Orion e quase toco a Polar.
Sigo etérea sem membros, sem cabeça 
Entorpecida pelo perfume da Rosa
Para o norte, ou leste onde o sol nasce
Mistérios orientais que talvez acolham
 A hóspede estrelar sem destino.

O silêncio pendurado nos sinos de strass

Numa teia de aranha em nós de luz
Goteja, nos olhos que já não existem
Os planos e vértices de uma galáxia nova.
Lá. Além de qualquer onde
Ponto perdido em que os loucos são normais
Ninguém cresce, ninguém chora 
Morrer então nem se conta
Brota flor nas areias do tempo
Bicho fala, árvore canta
Rocha brilha nos veios expostos a revelar caminho.

Poeta ri da própria dor que passa sem o sal das feridas.

Filósofos acariciam as barbas.
Em cada pelo caído, delirante ideia surge.
Com as dos cientistas, profetas, escritores 
Se entrelaça montando uma guirlanda
De novos mundos e promessas.

Enfeito com margaridas essa guirlanda
Por tantos sábios criada no deleite de imaginar.
Sobre os cabelos de cada vértebra 
A prendo com grampos de ouro.
Na revoada dos discos voadores, junto sigo
Em meu sonho cuidadosamente guardado:
Girar, menina sem memória  
No carrossel dos Pégasus sem freio.



Telas de Edward Robert Hughes - (1851/1914)

Pintor Inglês.


Terê Oliva.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

O LAGO.


Eu tenho tanto para te contar...
Mistérios do silêncio sem fundo
No lago em que morri
Das lágrimas de amor formado
Por todo o tempo longe de ti.


Telas de Anders Zorn - (1860/1920)
Pintor Sueco.

Terê Oliva - 1996

domingo, 13 de maio de 2012

O BARCO DO WILLIAM

Já contei sobre um tempo de sol, quando água do mar me corria nas veias e  eu nele mergulhava meus sonhos e risos.
Porém, na 'Pedra de Itapuca' me faltou espaço e talento para tanta história. Temi que os textos se embolassem nas areias de Icaraí, e lá perdessem o sabor, como bifes à milanesa sem sal; também a graça particular se permanecessem juntos, na mesma página dessa contadora de histórias sem maiores dons.
Então para quem já leu 'Itapuca', emendo agora uma segunda parte. Para quem não leu, que entre agora nesse barco, porque para quem de nada sabe ainda pouca diferença fará.
Fomos chegando na praia cedinho, um a um nos tornando muitos. A turma que nas férias diariamente ali se reunia não desejava nada além do que estar junto. Conversar, arriscar os primeiros olhares de amor, com sorte ganhar um beijo na boca, reclamar do pai que não deixava namorar, marcar o cinema para o dia seguinte, contar um segredo para o melhor amigo... 

Tanto e nada ali nos mantinha.
Entretanto, aquele sábado de verão logo se tornaria inesquecível para muitos de nós. 
William, um americano alto e bonito, sucesso entre as garotas apesar do seu jeito bobão, já nos esperava no ponto de encontro ao lado de um barco. Barco que seu pai, ante os suplicantes pedidos do filho, resolvera nos emprestar. Isso nos contou ele com um olhar vaidoso de rico proprietário, que favorece aos humildes quando com eles divide seu mais precioso bem. 
Barco é eufemismo para descrever o bote velho, outrora branco, com seus dois remos rachados.
Mas qual! Para nós, um bando de jovenzinhos eufóricos que o empurraram a duras penas para a água, era o mais lindo veleiro do mundo. Nossa única dúvida era escolher quem ficaria de fora do passeio marítimo, pois era claro que não havia espaço para todos. Um dos remos seria do William, merecedor da honra por ser filho do dono do mesmo. O outro, decidiu-se em meio a muita confusão, caberia aos braços fortes do Pardal, o mais velho do grupo.
Eu, aproveitando-me do quem vai quem fica, subi no barco, sentei no fundo e por lá fiquei, com a máscara dos inocentes. Logo lotou. Mal havia espaço para tantas pernas e gargalhadas.
Lá fomos nós, levados pela correnteza e pelos remos que tentavam  nos direcionar à Praia da Flexas. -Com X mesmo!- Continuamos indo, e indo, e indo... Cada vez mais longe da praia, sem outra direção a não ser o longe.
Nossos fortes remadores mostraram total incompetência para a função, e mais apavorados ficaram quando o bote, pesado de tanta gente, começou a fazer água. 
- E agora? Eu falei que tinha gente demais. Esse barco é uma porcaria. Não fala assim do meu barco. Não é seu, é do seu pai. Bem que eu não queria vir. Se não queria, por que veio? Agora só falta chover. Não fala isso que dá azar. Falar azar é que dá azar. Calma, gente! Tubarão! Quem foi o idiota que falou em tubarão? Em Icaraí não tem tubarão, só tatuí, e na areia. Gritar não adianta, ninguém vai escutar, chorar também não... -
Tal cenário pode parecer exagerado, mas tal qual se deu, ou um pouco menos ou um pouco mais.
Um pensou ser menos arriscado voltar a nado para a praia do que permanecer no barco naufragante e pulou na água. Outro o seguiu. Um casalzinho de namorados voltou nadando lado a lado. Eu medi a distância e o medo, e também mergulhei. Logo formávamos um grande grupo nadando de volta à segurança da areia.
Tá certo que todos nós éramos ótimos nadadores, criados ali à beira d'água, no mar que era nossa casa. Jovens saudáveis com pernas e braços fortes, mas assim mesmo, hoje imagino se a distância  era mesmo tamanha quanto a que me recordo, tal qual o casarão de infância, que visitado na maturidade parece muito menor.
Os meninos, sem o excessivo peso, conseguiram trazer o barquinho de volta, mesmo com os remos rachados e o fundo com um palmo de mar.
William é que desapareceu. Nunca mais foi visto por ali.
Deve estar de castigo até hoje por ter roubado o barco do pai.




Telas de Fred Calleri - (1964)
Pintor e Ilustrador Americano.

Terê Oliva
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sexta-feira, 11 de maio de 2012

POEMA FLUORESCENTE


Tela de John LaGatta - (1894/1977)
Pintor e Ilustrador Ítalo-Americano.


Vou escrever um poema fluorescente
Somente com palavras rosas e azuis

Um poema que flutue nas águas dos rios em seu percurso
Tão leve que inseto carregue na transparência das asas
Tão simples que passarinho qualquer 
Assobie no primeiro pio da manhã
Para os namorados distantes.

Vou esconder esse poema
Com cheiro de grama récem cortada
Atrás dos penhascos do tempo.
Lá guardar os mistérios de amor
Do corpo de um e outro, em dedos contados
Nas noites renascidas a cada crepúsculo
Orvalho de sêmen e suor.

Quem sabe ainda esse poeta se redima
Dos versos de angústia que criou outrora
Com suas tristes metáforas 
Com seu grafite sem ponta de esperança
Quem sabe até mesmo, num rasgo de sorte
Um assombroso amor goteje em nova poesia
Dispa suas roupas e lhe ensine verbos novos.

Tela de Nicoletta Tomas - (1963)
Pintora Espanhola Contemporânea.

Terê Oliva




quarta-feira, 9 de maio de 2012

IMAGENS DE UM AMOR PERDIDO.

Não cabe em meu dedo
Por ser mentira em ouro lavrada.
Não se ajeita entre as pernas
Por não valer a promessa.
Não distrai a noite em folguedos
Por roncar no leito o cego carniceiro.
Não causa tremor
Por ser rotina o furacão casto.
Não enche os bolsos de ouro
Por inábil talento ou sorte selada.
Não abranda o fardo
Por pesar nas costas as soluções sem rima.
Não brota no fundo a semente de sol
Por secar no sêmen extinto .
Não cria poesia
Por soluçar no papel uma dor indizível.
Não mira o futuro
Por morrer a visão na frieza das pupilas.

De que vale, enfim, tal amor se perdido?
...............

Tela de John Everett Millais - (1829/1896)
Pintor Inglês.

Terê Oliva / 1996

segunda-feira, 7 de maio de 2012

PINHEIRO BRONZEADO.

Há muitos anos no meu jardim plantei um pinheiro, miúdo e falante, que comigo conversava nas manhãs em que eu, sem outra tarefa além de revirar terra e mudar minhoca de casa para adubar vasos e cantos, por ali sujava as mãos de terra e observava em detalhes a vida desse mundo à parte do mundo real.
Agora doentinho, passou a me preocupar. Acho que vou chamar um jardineiro especialista, de pinheiros curandeiro, que tenha dedos verdes e fale a língua das plantas para curar o meu amigo que no verão se machucou.
Vejam vocês minha preocupação: responsável por um pinheirinho sem juízo
viciado em sol!
Para ele sempre se estende com cismas de se bronzear. Seus galhos longos e bonitos, nesse caprichoso destino, perderam cor. Tão quebradiços estão que até passarinho tem medo de neles pousar.
Tomara que o sol, cansado de esquentar os dias, cochile logo na sombra do outono e meu pinheiro, que de adulto só tem tamanho, consiga
enfim esverdear. 
Telas de Huang Youwei - (1965)
Pintor Chinês Contemporâneo.

Terê Oliva.

domingo, 6 de maio de 2012

O VIOLINO

Tela de Claude Buck - (1890/1974)
Pintor Americano.

O violino com suas unhas quebradas
 Arranha as paredes da sala.
As ondas levam os cavalos empinados
Do arco sem rumo 
À ausência surda dos que se foram
Para longe, mais além.

A doce menina afaga com beliscões 
No rico instrumento herdado
O rouxinol que da gaiola do seu sonho
Ali nunca pousou.

Se lá de sempre vem o desejo
De vestir com veludo as estridentes notas
Não há quem a verdade lhe conte
Por amor ou compaixão.

Seus braços sem fôlego tropeçam nas cordas
Que ressoam como gritos de fantasmas loucos.
Arrepia a nuca e torce o coração
Do escolhido, a quem coube revelar à menina
Dona do violino e do rouxinol sem pio
A colheita perdida de sua música. 
Tela de Arthur Hughes -(1832/1915)
Pintor Inglês.


Terê Oliva.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

NEGROS OLHOS.

Não era a noite, aquela escuridão funda
Nem o negro assustador do alto mar sem ilha.

Não era o ônix das unhas de Vênus que Cupido cortou
Nem a ausência de luz nas pupilas cegas.

Era o preto dos teus felinos olhos
Que na sorte do meu destino cruzou.
...................

Tela de Tamara De Lempicka - (1898/1980)
Pintora Polonesa.

Têre Oliva.


quinta-feira, 3 de maio de 2012

PROMESSA

Não! 
Não cumpriste a promessa
De fazer da vida festa...
Do amor o reino meu.

Então rasguei tua camisa amarela
Usei um decote sem freio 
No bar pedi outra dose, outra dose...
Beijei o primeiro bigode que vi.
....................

Tela de Louis J. Marchetti - (1920/1992)
Pintor Italiano.

Terê Oliva

quarta-feira, 2 de maio de 2012

PEDRA DE ITAPUCA

Tela de  Guy Rose -  (1867/1925)
Pintor Americano.



Muitos se amedrontam com o mar. Criam um mundo de terror onde os pés não mais alcançam chão. Tubarão branco, água-viva, peixe com boca e fome grande, mais outros bichos igualmente cruéis. Até tatuí assusta quem tem o pavor grudado na imaginação, e a ela dá papel e lápis para traçar seus demônios.  
Sem falar no fluxo das marés, nas correntezas, nos afogados conhecidos e os de ouvir dizer.
Talvez por ter crescido dele pertinho, a ponto de ir descalça para a praia - isso lá era possível há poucas décadas- nunca o temi. Era na água que vivia minhas grandes aventuras.
Chegava cedinho na praia para encontrar os amigos. Vez em quando havia gente nova: um primo da Helena de São Paulo, alguém que chegou de mudança do Rio, o William... Americano louro, bonito e medroso como ele só, que logo foi aceito ao revelar, todo vaidoso, que seu pai tinha um barco. Barquinho bobo, um bote de madeira quase podre com dois remos rachados,  que nos agitou em planos de viagens para ilhotas perto. 
Essa é outra história, onde o perigo realmente nos rondou, mas para não alongar demais o texto, conto depois.
Da Praia de Icaraí, seguíamos à beira d'água, rindo e brincando para a Praia das Flexas - com X mesmo! - no bairro do Ingá.
Ficávamos por ali, reclamando da areia grossa cheia de pedrinhas, comparando as duas praias, Icaraí bem melhor. 
Então por que ir para lá? Porque de lá voltávamos a nado para Icaraí, na hora certa da maré cheia, atravessando o mar que batia furiosamente contra a Pedra de Itapuca.
Nadar no sentido inverso, Icaraí para Flexas, não dava certo. Tentamos algumas vezes, mas o mar parecia outro, e com suas perigosas ondas nos fazia desistir.
Antes da maré nos expulsar, crescendo rápido, ficávamos na Itapuca sentados, a conversar sobre tudo aquilo que os jovenzinhos conversam. Muitos namoricos começaram ali, nos primeiros beijos, e nos carinhos exagerados com os cortes e arranhões do ser amado.
 Nossa atração por Itapuca, "pedra-furada" em tupi-guarani, ficou ainda maior quando alguém, não lembro quem, contou a lenda de amor e ódio que a cercava.
   Uma linda índia, Jurema, apaixonou-se perdidamente por Caubi, um branco que por ela também se apaixonou. Diante da revolta da tribo que não aceitava tal união, os dois decidiram partir para longe. Lugar distante onde pele não tivesse cor e o amor fosse simples. 
  No dia da fuga porém, foram atacados pelos índios que vieram resgatar Jurema, e Caubi acovardado fugiu.
   Ela que passava as tardes cantando, alegre como passarinho solto, nunca mais cantou. Seus dias corriam silenciosos, com saudade do pálido amado.
Após seis luas, seu casamento é marcado pelos líderes de seu povo com um dos chefes da tribo, que sempre a amara na surdina da desesperança.
Na véspera de seu destino, ela vai à praia e canta. 
Caubi surge nas névoas do luar e corre para tomá-la nos braços e pedir perdão. Nesse exato momento se tornam vítimas da fúria dos guerreiros tupis.
Tupã, o deus maior, a pedido de Jaci, a Lua, abençoa os dois amantes e os conduz para o interior da Pedra de Itapuca, onde eles viverão para sempre o amor proibido pelos homens mas abençoado pelos deuses..
   Nós que à época mal sabíamos das dores de amor, a não ser nos livros que a professora de português nos obrigava a ler, só pensávamos em nos divertir rente às praias. Nas manhãs de ressaca, quando as ondas não respeitava nem a Pedra de Jussara e Caubi,  nós voltávamos para a nossa praia caminhando pelo calçadão, frustrados pelas emoções perdidas. Emoções que não sabíamos naqueles jovens dias, tão marcantes.
A menina, de braços e pernas fortes, que amava o mar e sua Pedra, logo partiu para longe e nunca mais voltou. Perdeu, mas não esqueceu os amigos, nem as aventuras salgadas, muito menos o primeiro beijo abençoado por aquelas águas.

Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com

Tela de Benito Rebolledo Correa -  (1880/1964)
Pintor Chileno.