sábado, 30 de junho de 2012

VERSOS ALADOS.

Tela de George Lawrence Bulleid - (1858/1933)
Pintor Inglês.
Os versos me surpreenderam a caminho da sala enquanto atravessava os ângulos da varanda,  retas onde gasto muito passo e distração com grama verde e passarinho perto. 
Susto de gente grande, mal surgindo a manhã.
Corri, atrás de papel e qualquer pedaço de lápis que resolvesse a questão do escrever. 
Das canetas, sabiamente de pronto desisti. Caneta é objeto diabólico. Torna-se invisível no momento urgente e, se e quando dá o ar de sua graça, irônica se recusa a qualquer traço de tinta. Resseca, entope e te faz de bobo.
Porém, não alcancei nem o papel nesse arrebatamento inspiratório. Um grito de criança ou meu nome por alguém chamado me distraiu. Erro fatal nesse relacionamento íntimo com a palavra.
Eu, escriba de letra bonita e ralo talento não posso me dar ao luxo de perder palavra no ar, que dirá um verso inteiro. Palavra é dádiva que não se desperdiça. Chuva caída do céu que irriga o branco da página e cria tempestade de poesia, que em seu furor o mais recôndito do ser revela, até para si mesmo, que de outro modo assim não se saberia.
Com o verso preso na insídia da memória, renunciei ao poema.
Fui tomar café e deixei para outro dia.

Tela de Samuel Luke Fildes - (1843/1927)
Pintor Inglês.

Terê Oliva.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

VIDA BREVE.

Carregamos angústia e peso
Nessa vida de curto passo.
Tralha que incha perna e entope veia
Dá dor nas costas e nada constrói
Numa existência de sempre mais.

Tela de Sarah Dolby - (1971)
Pintora Neo-Zelandesa Contemporânea.

Terê Oliva.


quinta-feira, 28 de junho de 2012

QUEM SABE UM DIA...

Tela de Carl Larsson - (1853/1919)
Pintor Sueco.
O amor nunca perde o encanto
Ao seduzir os incautos.
Gira no seu carrossel de luzes 
Viciando em ternura 
Qualquer um que nele esbarre.
 Quando tropeça e cai na lama
Lava a si mesmo com sabão de flor e espera
Sempre espera...
Quem sabe um dia
Ele decifre o mistério cabal.

Tela de Alberto Pisa - (1864/1931)
Pintor Italiano.

Terê Oliva.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

CAFÉ PRETO, PURO E FORTE.



Tela de Igor Samsonov - (1963)
Pintor Russo Contemporâneo.


Café preto, puro e forte.
Preguiça de padaria.
Vetados pão e manteiga.
O sangue depois confessa.
Leite sem nata é água suja.
Queijo não pode. Presunto não pode.
Porco em fatia nem sonhar.
Afinal, o que faria na padaria?
Só passeio.
Caminhar lembrança de farta mesa gordurosa.


Café preto, puro e forte.
Sem açúcar
Que também não pode.
Tela de Igor Grabar - (1871/1960)
Pintor Russo.


Terê Oliva.

terça-feira, 26 de junho de 2012

AREIAS MOVEDIÇAS.

Tela atribuída a Pietro Antonio Potari - (1707/1762)
Pintor Italiano.



Ele a traía com toda a pujança do seu desatino.
Havia um quê de malquerer, de incontido rancor
Que ela não conseguia entender.
Seu toque tornara-se sacrílego, sua boca um abismo
Sua voz, eco de geleiras longínquas
Suas mãos, fonte de peçonha a desaguar no leito vazio.


O tempo, sádico como é e sempre o foi
Corria incólume rente ao inquisidor destino
Quebrando vértebras e comendo a carne da perdida
Que no gume de uma adaga esperava, unha-calcanhar
A revelação desse oráculo sem lógica ou motivo.


Os outros, impostores sacerdotes 
Refastelavam-se na bonança da própria vida
Sem no terreno de areias movediças ousar pé.
Via-se então ela sozinha
Secretando nos recessos rodopiantes da mente
O leite da dúvida sem uso.


Quando a verdade rasgou as escarpas do futuro
E as ruínas revelaram-se tal e qual
Não mais havia como escapar dos escombros caídos
Sestro reverso partiu suas costelas e deixou fugir o ar.
Morreu asfixiada, aquela que no amor crera.

Tela de John Atkinson Grimshaw - (1836/1893)
Pintor Inglês.


Terê Oliva.

sábado, 23 de junho de 2012

GOSTOS & MANIAS

Tela de Frederick Carl Frieseke - (1874-1931)
Pintor Americano.
Gosto, e sabe-se lá porque se desenvolveu esse gostar, de coisas miúdas
e coisas grandes. Muitas delas corriqueiras que se encontram em cada canto, outras, só a vida pode dar.

Passarinho que canta alto
Gargalhada de filho
Torta de chocolate com sorvete de flocos
Dia de aniversário 
Tempestades furiosas com relâmpagos e trovões
Quanto mais, melhor
Ver avião passando e imaginar destino
Filmes com dramas reais
Poemas, adágios, citações
Tela de Adolf Eberle - (1843/1914)
Pintor Alemão.
Carta de amigo distante
Igreja velha que me traga Jesus p'rá perto
Cinema à tarde, sem viva alma
Mudar de casa e de ares
Livro com muitas páginas e boa história
Tarólogas, quiromantes e afins
Vendaval
Ampulhetas, velas, talco, sabonetes
Tela de Charles Joshua Chaplin - (1825/1891)
Pintor Inglês.  


Janelas
Bolinhas de sabão
Lento amanhecer
Pedras de toda cor e formato, até pedregulho
Fotografias
Flor nascendo, ainda por ficar pronta
Sapatos
Roupas velhas já no conforto do corpo
Amarelos e Laranjas
Escrever só para gastar letra.

Há tantos mais gostares...
Que ajeitam a vida num tamanho de não se querer mais.

Terê Oliva


quinta-feira, 21 de junho de 2012

O TREM DA DESPEDIDA.

A tristeza deságua no verde dos olhos sem alvo.
Lágrimas de decisão carregam malas
Pela abscissa impossível a pés caminhantes.
A memória não reconhece tamanha lonjura e cenário.
O apito do trem engasga na fumaça e nos trilhos
Sua cantilena de despedida.


O adeus inicia seu êxodo fugindo do presságio
Esculpido na face de marfim de um amor perdido.
Se o destino com giz riscado por dedos trêmulos
Nesse mapa de acaso emaranhado 
Honrará a promessa de apaziguar o coração doído
Ninguém pode afirmar.

Não agora, no prelúdio de uma esperança nova.

Telas de David Tutwiller
Pintor Americano.
Terê Oliva.

PERFEITO SONETO ♥

As palavras escreveram o perfeito soneto
Assim que um poeta apaixonado
As viu sobrevoando os cílios da mulher amada.

Tela de Charles Louis Lucien Muller

(1815/1892) - Pintor Francês.


Terê Oliva.

domingo, 17 de junho de 2012

ATEMPORAL.

Tela de Louis Moeller - (1856/1920)
Pintor Americano.

Amor não fica velho
Não gasta nem perde a cor.
Se há muito existe, ufana-se do fato
Mais cresce e manso se torna 
Sob a musselina que o tempo envolve.

Se é jovem
 Apesar do muito esperado
Não vagueia nas horas poucas.
Pastor de si mesmo, sentimento raro
O sagra com pressa ao ser amado.
Tela de Pompeo Massani - (1850/1920)
Pintor Italiano.

Terê Oliva.


NAMORO : O AMOR EM FLOR .

Tela de Eugenio Zampighi - (1859/1944)
Pintor Italiano.
Tela de Ari Scheffer - (1795/1858)
Pintor Francês.
Tela de Edmond Louis Dupain - (1847/1870)
Pintor Francês.
Tela de Federico Andreotti - (1847/1930)
Pintor Italiano.

Tela de Friedrich August Bouterwek - (1806/1867)
Pintor Alemão.

Tela de William Hennessy -(1839/1917)
Pintor Inglês.

Tela de Johannes Raphael Wehle - (1848/1936)
Pintor Alemão.

Tela de Konstantin Somov - (1869/1939)
Pintor Russo.

Tela de Luigi Bianchi - (1827/1914)
Pintor Italiano.

Tela de Emil Rupolf Weiss -(1875/1942)
Pintor Alemão.

Tela de Giacomo Favretto - (1849/1887)
Pintor Italiano.
Tela de Jules Girardet - (1856/1938 ou 46)
Pintor Francês.


Terê Oliva.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

O LIVRO DA BRUXA.

Tela de Edward Frederick Brewtnall - (1846/1902)
Pintor Inglês.



O Livro da Bruxa
Com seu venéfico selo lacrado
Guardava muitos segredos.
Poções de eterna beleza
Juventude escondida dos astros
Cura de males sem nome.
Cada gota com função e cuidado medida.


Mas de amor, mais preciosa conquista
Pouco ou quase nada dizia.

Tela de Jeffrey G. Batchelor - (1960)
Pintor Americano Contemporâneo.

Terê Oliva.

VASO DE CERÂMICA.

Tela de Gerald Cooper - (1898/1975)
Pintor Inglês.


No vaso negro tu sorris.
Sorriso em verdes nos grãos de luz
Como se o laço na cerâmica
Que o vaso enfeitar tenta
Te abraçasse com bilhete de amor
 Em ramalhete de destino certo.


A ti mesma sufocas em brotos
Ao gerar tua prole na terra fria.
Flores finas e brancas se equilibram
Nas pernas bambas dos delicados caules
Que balançam ante tua vontade firme
De aos céus os lançar.


Contagias com tua beleza os seres da sala.
Vivos e brutos tua poética presença reverenciam.
A cerâmica se pudesse desataria seu nó prisão
No assombro de tuas raízes ávidas
Que envolvem o barro cozido
 Com cobiça de liberdade sem freio.


Rastejantes nos veios do mogno da mesa
- Essência irmã -
Através de móveis, tapetes, pedras e degraus
Caminhariam carregando nos ombros a mãe e irmãs
Ao destino de toda flor merecido
O Jardim.

Tela de Sophie Gengembre Anderson - (1823/1903)
Pintora Franco-Britânica.


Terê oliva.

terça-feira, 12 de junho de 2012

LIVROS DESPERDIÇADOS.

Tela de Edouard John Mentha - (1858/1911)
Pintor Suíço.


Há nos canteiros dos amigos desconhecidos

-Livros guardados sem leitura- 
Flores desperdiçadas.
Jamais colhidas na invisibilidade do tempo
Que os acompanha durante anos a fio sem laço. 

Nem ao menos um espirro de poeira acumulada
Os resgata do esquecimento.
Permanecem eles contidos em suas capas

Com suas histórias estéreis
Esperando, na calma de cada parágrafo 
A reconciliação com o leitor displicente.


 Tela de Bernard Louis Borione ( 1865 - ? )
Pintor Francês.


Terê Oliva.



domingo, 10 de junho de 2012

RECADO DE PASSARINHO

Tela de Sir Edward John Poynter - (1836/1919)
Pintor Inglês.


Levantei o lençol d'água
Do mar sem paciência que em ira espumava
Na boca fechada.


Atravessei rio e perguntei às suas pedras.
Tangi rebanhos de insetos rastejantes na busca.
Subi colinas, transpirei nos muitos passos de planície.


Abri asas de borboletas, pobres borboletas
Com cores empoeiradas sem nada a dizer.
Translúcidas libélulas, se o sabiam, a mim ocultaram.


Sob árvore descansei. Dormi e chorei.
Me abrandou o frio a secular senhora
Tecendo um cobertor com folhas e maleáveis galhos
Porém se fez de muda, e me segredou que árvore não fala.


Catei pedaços do meu amor, as poesias incompletas
Teu vestido preferido, o vinho, teu retrato.
No átrio da desistência, de mala pronta e pés calçados
Recebo afinal o recado, no pio de um passarinho
Que cantou onde te encontrar.
Tela de Conrad Kiesel - (1846/1921)
Pintor Alemão.
Terê Oliva.

sábado, 9 de junho de 2012

BRUXA FALIDA.

Empurrar a bruxa
Para fora, fora, fora...
Através dos dedos e da carne mole.


Vai-te, insensata criatura
Que para nada serve e nada prediz
Além de quereres loucos com consistência de pudim.

Parta, sem meus cabelos, meus olhos, minhas memórias
Minha consciência que tem pés de marfim 
Meus desejos cozidos sem sal na inútil fervura.

Larga minha mão que perdeu a maciez da crença
Que talhou o caldo com excessivo tempero
Nesse caldeirão de amor não consumido.


Obra de Christina Beller
Ilustradora e Pintora Americana.

Terê Oliva.

OLHOS DE CIO


 Tela de Tamara de Lempicka - (1898/1980)
Pintora Polonesa.

O desejo é uma incógnita
Entre as frestas de pesadas portas 
Nobres árvores abatidas para melhor o esconder.

Insistente mulher o espreita com seus olhos de cio
Sem suspeitar, pobre dela, que suas equivocadas chaves
Não abrirão no decurso dessa vida
Os lábios do gozo lacrado pela seiva da libido morta.

Tela de Valeriy Skrypka
Pintor Ucraniano.


Terê Oliva

quinta-feira, 7 de junho de 2012

MENINAS & BONECAS



As meninas ainda brincam com bonecas.
Não mais as bonecas inertes, que nos cantos
Ou sobre a cama jaziam com seus membros espalhados
Sem nem piscar olho.

Hoje elas dançam, riem, dormem e se mexem nos sonhos
 Falam. O quanto, depende. O vocabulário equivale ao preço na caixa.
Declamam versinhos centenários que até bisavó relembra. 
Ficam doentes e esquentam de febre
Tomam injeção, choram na lagriminha que por pouco não cai
Logo ficam boas e prontas para outra. 
Comem, bebem, fazem xixi e a outra coisita mais.
Quando crescem, magrelas e lindas
Modelitos de filmes e canções
Passam logo a namorar, rapazes igualmente magrelos e lindos.
Assim, além de casa, comida e roupa lavada
Há necessidade de carros, mobílias, quinquilharias e mil tralhas
Que se espalham como vírus pelo chão e ninguém cata. 

Com bolso doído e coração molenga
A avó, pobre de marré, marré, marré
Passa ao largo das lojas de brinquedos e tenta
Outros cenários.
Chama as meninas para a roda, ciranda
Numa tentativa vã de escapar da numerosa prole. 
Porém, as pequenas mães se agarram às bonecas
Desejando companhia para a brincadeira que
Desde criancinha, ela sempre rejeitou.




Telas de Émile Munier - (1840/1895)
Pintor Francês.

Terê Oliva

O SAL DA IMAGINAÇÃO

Mistérios crescem com o sal da imaginação
Atrás da porta do número 242
Na rua sem nome
De um lugar que caiu do mapa

Onde o destino nunca me levou.

Foto - 'Wanderlust'

Terê Oliva

quarta-feira, 6 de junho de 2012

CABELO DE FLOR.

As flores, na pressa de viver
Esqueceram de cortar os cabelos.
Assim longos, úmidos de perfume e néctar
Valsaram ao sabor das abelhas e do Senhor do Vento
Que logo desejou os trançar.



Foto - "Bellezze della Natura".


Terê Oliva.

terça-feira, 5 de junho de 2012

FOLGUEDO DE PALAVRAS.

Tela de Ferdinand Heilbuth - (1826/1889)
Pintor Alemão.


Palavras são ótimas amigas
Para se brincar a qualquer hora.
Nunca têm sede ou fome
Não arranham os joelhos
Nem mãe que chama para dormir.


Vestidas a rigor ou mesmo quase nuas
Numa revoada surgem do nada
Para cair entre os dedos de qualquer poeta 
Que desse folguedo talvez pouco entenda
Porém insiste, por querer também brincar.

Tela de George Goodwin Kilbourne - (1839/1924)
Pintor Britânico.


Terê Oliva.

domingo, 3 de junho de 2012

PESADELO ERÓTICO

Do teto jorrava uma luz compacta
Nos fragmentos do teu olho azul metálico, lá mirante
Esgueiravam-te atrás da cortina, sob a cama
Pelos guetos sonolentos do meu corpo nu.

Tal horda de sensações úmidas

Decifravam os enigmas do meu tesouro enterrado
Paixão perdida  na dobra do tempo
Nos passos acidentais de um passado longínquo.

Segredando mais o desejo que o motivo
Um frisson de lógica reveste o sonho
De realidade assim julgado.

Porém, se te roem meus dentes de leite
Te mordo na permanência da lembrança inequívoca
Que não sacia a carne, mas povoa a cama.



Tela de Boris Mikhailovitch Kustodiev - (1878/1927)
Pintor Russo.

Terê Oliva

http://tereoliva.blogspot.com

sexta-feira, 1 de junho de 2012

FLAMENGO OOOOOOOL !

Hoje o dia não levantou com o canto do galo.
Pulou da cama com um grito de gol.
Não um, não dois, não três...
Quatro vezes o grito ecooulllll.

Também a manhã abandonou seus azuis.
Fez-se negra e vermelha de paixão
Nas camisas do Flamengo a colorir as ruas
Trens, ônibus, cada pedaço de uma cidade feliz.

Velhos amigos de repente todos
Companheiros sem motivo outro
Além da passageira alegria de ser
Cada um, campeão.


Terê Oliva.