domingo, 30 de dezembro de 2012

MEU AMIGO JOÃO

Tela de Fernand Toussaint - (1873/1956)
Pintor Belga.

Hoje perdi um amigo.

Ele que comigo compartilhava horas de café e muitos cigarros ao filosofar sobre os descaminhos do amor, a existência da Deus, o shakespeariano 'ser ou não ser', o inelutável de onde vim para onde vou?
Seu coração generoso não suportou o ritmo da vida e parou. Parou sem alarde, embora há muito mandasse recados que assim o faria.
João foi para longe morrer.
Amanhã, em Lisboa, seu corpo será devolvido à terra, mãe primal de todos nós, e  enfim se libertará das mazelas humanas. Seu espírito, tão leve em vida, com certeza seguirá por novos caminhos. Caminhos que intrigavam a nós dois e que ele, viajante sempre de malas prontas, desvendará primeiro.
Meu amigo João, tão querido que de mim não esqueceu nem nas horas mais tristes. Deixou meu nome e telefone na sua restrita lista de pessoas a serem avisadas de sua partida. 

Seu namorado cumpriu o desejo.
Hoje perdi um amigo, mas ganhei sua mais doce lembrança.

Tela de Edmund Hodgson - (1873/1942)
Pintor Inglês.

Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 2012.
Terê Oliva

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

ARMADILHA


Tela de Mstilav Pavlov - (Nasc. 1967)
Pintor Russo Contemporâneo.


Bem disfarçada foi 

Com flores entrelaçadas nos gumes de aço
Fio de navalha, ponta de faca
Nem sagaz mulher perceberia.

Assim a armadilha enredou

O pé que nela se feriu em viva carne
Sem chance de fuga, escape
Calcanhar rachado no tranco da mola.

Nela não se conteve

Porém, da exposta fratura 
Os ossos ninguém mais curou
Rastro de sangue no chão.
Em laços permanece aberta e o passo
Ao redor oscila.

O amor, de cicatriz recortado

Sem pé nem cabeça, sem juízo
No motim dos desejos vagueia
Em busca de nova armadilha 
Pelos equívocos armada 
Irresistível prisão. 



Tela de Harold Matheus Brett - (1880/1955)
Pintor Americano.

Terê Oliva







terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O CASTELO DE UM SONHO EQUIVOCADO




Poetas capengas, sem fibra, sem fogo no rabo
Entopem páginas e minha paciência, sem mais benevolência para com tantos.
Seus amores de luas, quereres doces
Enjoam a quem de amor já explodiu somente com o cheiro do quase
Sangrou lábios no beijo, sujou o lençol onde tudo acontece.
Amor que não se estende na cama pouco tem a contar
Evapora do mel antes de se lambuzar no sêmen
Assim, seco e desnutrido agoniza ante a antropofagia da carne.

Rima pobre de amor com flor não convence ninguém
Gastou-se no tempo dos hippies ingênuos que tiveram seus dedos em V quebrados
Pelos imperadores modernos, pelos dominicanos de terno e farda.
Borboletas saltitando no estômago é sinal de gastrite 
Morreram com a tuberculose dos românticos 
Que com o pé na cova mal tiveram tempo para descobrir
Que amor não é rosa, é planta carnívora
Não é passarinho, é ave de rapina.

Amor é bicho bravo que ameaça com chifres, garras
Fere, enleva, maltrata. Arranca pedaço e outro repõe mais bonito
Quando não, deixa espaço para novo que porventura venha.
Amor molenga, com diminutivos e eternidade no lombo
Se encontra e se perde em cada canto mas não gruda
Não ilumina o olhar do opaco ser, vazio dele até então.
Tantas vezes, engana o pobre sujeito que por ele tanto anseia  
Com as artimanhas da sua ampulheta de desejos
Que promete a graça mas nega o mérito.


John Jude  Palencar - (Nasc.1957)
Ilustrador Americano.
Terê Oliva






sábado, 1 de dezembro de 2012

POEMA ESGOTADO.

Tela de Daniel Hernandez Morillo - (1856/1932)
Pintor Peruano.

O poema é pássaro
Que voa torto para alhures e muitas vezes sem pouso morre.
Voz em versos que debulha a música das noites insônes sem par.

Numa pauta de lírios compõe a estática das primaveras perdidas
Onde a carne se distrai e o espírito dança manso, sem desejo de passo.

Espirais de incenso perfumam o sangue daquele que na poesia busca
Um instrumento para desenhar às margens do céu
Os caminhos do sol esgotado .
Tela de Alfred Émile Leopold Stevens - (1823/1906)
Pintor Belga.


Terê Oliva.