segunda-feira, 29 de abril de 2013

O POÇO DOS MEUS DESEJOS



Perdi todas as minhas moedas
Uma a uma as desperdicei
Na água funda do poço onde
Esgotaram-se meus pedidos sem chance.

Bolsa vazia
Esperança que criou asas e evaporou.
Amor, de novo amor
Acho que dentro do poço
Sob tanto metal se afogou.

Tela de Vlaho Bukovac Scandal - 1855/1922
Pintor Croata.

Terê Oliva

domingo, 28 de abril de 2013

GRATIDÃO


Agradecer a ti, amigo
Pela alforria dos azedumes

Que há tanto entre arames
Acomodaram-se no círculo de dedos entrelaçados.
No balanço do metal escarneciam e de si mesmos
Cada vez mais gordos, se alimentavam.

Agradecer a ti, amigo
Pela maré-cheia de juventude que num arroio brota
Recompensa da espera que agora se abranda nos teus olhos

Que gotejaram nova jornada, eu viajante
Na volta à natureza, aos frutos
Carambolas, tamarindos...


Agradecer a ti, amigo
Pelas raízes que nas masmorras julguei mortas

Jasmins recolocados dentro de livros, flor na água.
Encontro entre tantos desvios nas dobras do eu labirinto.
Deleite ao te saber por perto, perto ao gosto da língua 

Afiado amor no gume do destino de um talvez.

Grata repouso, na escarlate insegurança de viver paralela a ti.

Tela de Ilya Yefimovich Repin - 1844/1930
Pintor Realista Russo.

Terê Oliva.



RASTRO DE GRAFITE

Tela de Johanne Mathilde Dietrichson - 1837/1921
Pintora Norueguesa.
 O grande bicho ronda
Espreita atrás de cada palavra
Rastro de grafite
Pegadas no papel.

Impossível escapar se torna
Do poema desabalado
Que ao poeta se revela.

Tela de Christien Dalsgaard - 1824/1907
Pintor Dinamarquês.

Terê Oliva
                    

sábado, 27 de abril de 2013

BEIJO NA BOCA


Rangem-me os dentes entre malícias
Imaginar um beijo na boca.
Nem seco nem molhado
De gotas além das essenciais
Para tirar os sapatos e desfalecer um tanto.
Umidade exata em seus fluidos de querer mais

Mais, mais, nunca bastante
Usurpando os contornos, os recantos
Até então tímidos, nas saias do pudor agarrados
Incógnitas delícias.
Se possível, aspirar da alma inexplorada
A emoção contida nesses momentos
Roubados do sem tempo, tempo de não beijar.
Beijo suave ou furor de indiscutível posse
Na boca conquistada.
Bandeira desfraldada
Branca a toda questão além
Dos limites dos lábios amados.
Beijo sem filosofia, sem filtro
Só beijo, de boca beijada.

"Romeo and Juliet on the Balcony"
Tela de Julius Kronberg - 1850/1921.
Pintor Sueco.

Terê Oliva

sexta-feira, 26 de abril de 2013

FÊMEA

Tela de Tade Styka - 1889/1954
Pintor Polonês.

O que há de mim que assusta
Aparta esses homens iguais?
Será a essência da fêmea
O cheiro do cio
A plumagem do coito ?
Será Afrodite, qualquer outra mitológica criatura
Ou da África Pomba Gira
A dona desse corpo de carne sem alma?
Corpo que arde e sangra todo mês
Hospedeiro de amores inférteis

Fausto banquete.

No tumulto do absurdo
A vida senta-se aos pés da cama e cala
Porém destrói os nervos, os já tão esticados
No seu porejar de dor.

Frêmitos entre as pernas, peixes e rubis.
Debato-me ao tentar infernais escarpas
Para no cume fincar a bandeira

Com meu brasão e sobrenome.
Domínio sobre o território escaldante
Desse corpo que já não sonha
Mas deseja.

Tela de Nydia Lozano - Nasc.1947
Pintora Espanhola Contemporânea.

Terê Oliva

quarta-feira, 24 de abril de 2013

SECA


Fiz do meu umbigo uma poça de perfume
Cova, fonte de venturas prometidas.

Minhas coxas no óleo, doces amêndoas  
Caminho perfeito para dentro de mim.

 Oásis de móveis texturas revelado pelo faro
 Da noite nos amores sem sentido.

Feminina luxúria de lábios e reentrâncias
Gruta molhada que pelo amante se abre.

Sêmen, saliva, pérolas de orgasmo
Prazeres da carne que o membro ereto dedilham.

Quando afinal as luzes das galáxias explodem
Resta lamber os resquícios do gozo e dormir o sono dos deuses.

Telas de Emilia Castañeda
Pintora Espanhola Contemporânea.


Terê Oliva

UM BLEFE NA SORTE

Tela de Albert Herter - 1871/1950
Pintor Americano.


A confissão dos meus sentires
São gotas da minha paciência esgotada
Que há tanto já cresceu para fora das medidas.
Distribuo palavras e cartas, mesmo sem o pensar
Para nelas gastar um tempo raso que outra valia perdeu.
Cansei desse jogo sem parceiro
Cheio de fissuras no meu destino incerto.


Não sou velha o suficiente para naipes 

Tricôs e agulhas outras
Nem gosto de bicho nem planta o tanto
Para neles esgotar o clamor da carne quente.

Se aqui permaneço sentada e quieta
É por esperar, quem sabe, um pestanejar da sorte
Que ao meu blefe se mostre distraída.
Tela de Leonard Campbell Taylor - 1874/1969
Pintor Britânico.


Terê Oliva

terça-feira, 16 de abril de 2013

PAREDES DO REAL

Tela de Greg Jack Harris - Nasc. 1953
Pintor Americano Contemporâneo.

Esperava ela a luz do dia dar a volta atrás do farol
Para na noite, em águas fundas de sua imaginação
Renascer na pele das mulheres eternas de tinta e mármore
Dos sonetos de amor, dos parágrafos nos romances clássicos.
Não é ela a moça da aldeia que assa pão e varre as pedras da casa
Nem é ela que pega água na fonte e cerze meias furadas.
Ela é outra, que dentro de si vive, espuma e quase explode
Musa de seu herói.
É Heloísa, Lizzie, Isolda, Beatriz, Doroteia...
É Helena de Troia, Cathy Linton e Julieta.
Cada uma e todas no seu espírito florescem   
Enquanto ele ergue paredes no real
Com o vigor das graças que ela esparge
Do brilho que dela vem.
Tela de William Henry Margetson - 1861/1940
Pintor Inglês.

Terê Oliva

domingo, 14 de abril de 2013

BOTÃO DE MADREPÉROLA

Tela de Léon Mayet - 1858/?
Pintor Francês.


Prego um botão de madrepérola
Na camisa de finíssimas listras
Antes de pendurá-la no armário vazio.
Abraço-a como se estivesse do teu corpo cheia.
Danço nua pelo quarto e com os olhos fechados vejo
No resquício do cheiro azul das verbenas

Cada fibra de linho a nos acompanhar o passo.
Não há lógica em guardá-la imperfeita
Como também não há em fechá-la
 Até o último e minúsculo botão.
Mas dentro de mim vive teu universo
Que não seria o mesmo se desabotoado.

Tela de Fernand Toussaint - 1873/1955
Pintor Belga.

Terê Oliva

RENDAS DE SEDA


As palavras calmas não servem de renda para a minha poesia.
Não enfeitam nem me criam desejo de vesti-las de verso.
Preciso das que se encondem sob as pedras da memória
Nos armários trancados, nos livros todos que li e reli
Nos muitos e tantos que guardo e talvez nunca leia.
Com certeza faltar-me-á vida.

Gosto daquelas que ninguém recorda
Que quando aparecem todos se espantam e perguntam
Uns aos outros com o sem jeito da dúvida:
O que é isso? Será aquilo? Talvez outrossim.
Mas qual...
Ninguém lanceta um caroço da Língua
Necessária se faz paciência de dicionário.

Porém quando a desnudam
Encontram o brilho da sua beleza esquecida
Nesse esfarrapado vocabulário mundano
Onde caralho se tornou interjeição.

Tela de Pietro Antonio Rotari - 1707/1762
Pintor Italiano.

Terê Oliva.

sábado, 13 de abril de 2013

NÓS

Tela de Cecilio Pla Y Gallardo -1860/1934
Pintor Espanhol.
 Pergunto-me
Sempre pergunto-me ...
Em que dia, em que mês, em que ano
Perdi-me de mim mesma?
Em que exato momento 
Desisti de ser eu para ser nós?
Dói perceber que o nós sou eu sou
Não envolve  o tu 
Que sozinho vaga
E preserva o eu. 

Tela de Émile Auguste Pinchart - 1842/1924
Pintor Francês.

Terê Oliva


sexta-feira, 5 de abril de 2013

PÁLIDAS



Tela de Henri de Braekeleer - 1840/1888
Pintor Belga.


Empalidecem em mim as criaturas todas
Porque as miro de dentro da minha angústia

Dos meus olhares mais dispersos.
Não as conheço nem as quero conhecer
Porque as que me acercam já me bastam.
Transbordam dos meus cenários
Esparramam-se nas minhas veias como erva no mato
Com suas rizoides finíssimas me prendem e paralisam.
Essas outras não despertam minha curiosidade de ave
Que engole ar para lhe provar o sabor distinto
Dos céus que não existem.
Um sagrado instinto me move e mói
Na busca do que sou no que dolorosamente nunca fui.
Sina solitária de quem vive de guirlandas e poesia.
Tela de Vicenzo Irolli - 1860/1945
Pintor Italiano.


Terê Oliva

quinta-feira, 4 de abril de 2013

NINHO DE FANTASMAS

Tela de Claude Calthrop - 1845/1893
Pintor Britânico.
Um grão de fermento caiu
Não se sabe de onde, se de nuvem
Se de asa de anjo
Naquela alma quieta que no passado há muito não pensava.

O que deixou de ser e flutuava sem rumo
De repente, na memória cresceu
No abrir de caixas lacradas de poeira
Antigas cartas, fotografias já sem cor.

Desmascarar então se fez preciso
Todos os fantasmas desses arquivos mortos
Sonhos displicentes, anseios de sombras.

Então, no tempo cabido
Alargam-se à roda das gavetas vazias
Os fulgores de uma vida nova.

Tela de William Holyoake - 1834/1894
Pintor Britânico.


Terê Oliva

terça-feira, 2 de abril de 2013

INTERESSANTE

 Tela de Avigdor Arikha - 1929/2010
Pintor Romeno.

Interessante. 

Talvez seja essa a palavra que a defina.
Nem aquém nem além
Tristemente e apenas isso
Interessante.
Fez o possível onde a mão alcançou
Porém não o tanto preciso.

Faltou-lhe firmeza no ato
Coragem, que dela passou ao largo
Em veleiros com as velas desfraldadas
Pelo riso dos ousados.
Assim sendo e assim canhestra
No tédio das suas paisagens embaçadas
Reviu a vida sonhada na vida vivida
Seu jeito onírico de matar a saudade
Do que poderia ter sido e não foi por um átimo
Por preguiça simples de ser
Porque ser é verbo trabalhoso
Que enfumaça a cabeça no pensar e dói nos pés
Como bolha d'água ao caminhar muito com sapato errado.
Ficar parada olhando não cansa.
Está certo que nada cria, nada constrói
Mas também não destrói.

Cavar túnel para a claridade deu-lhe medo
De morrer soterrada sob os próprios escombros.

Terê Oliva