sábado, 24 de dezembro de 2011

O GRÃO ESSENCIAL.


Quando o fim do ano chega arrastando sua estrela de luz quase finda
Traz com ele tudo aquilo que permaneceu quebrado e incompleto dentro de cada um de nós.

Porém, esse momento de reflexão risca no céu novos caminhos
Clareados por cores que nos oferecem outra chance.
Sem perceber, embrulhamos os problemas no papel de presente
Atamos laços de seda, fritamos rabanadas, cozinhamos castanhas
Servimos a ceia na mesa grande, com cadeiras vagas para quem mais chegar.
  
 Guirlandas são trançadas, e nas portas refletem sorrisos de boas-vindas. 
Enfeitamos a árvore, mesmo torta e mambembe 
Como desejaríamos enfeitar nossa vida. 
O amor perde a pose e se torna vagabundo...
Assim também passamos a amar.

Uma nova estrela à réstia opaca dessa que parte nasce, e cintilando na juventude dos tempos novos 
Traz como oferenda uma caixinha antiga 
Tão antiga e gasta que quase desmancha ao toque 
Onde, desde sempre, repousa o grão essencial
 A esperança.


Tela de Tom Browning
Pintor Americano.

Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com.br

  


sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O BEIJO QUE NÃO SE DEU...

O beijo inesquecível é aquele que não foi dado.
Bailou na face e por rubores ou medo
Não chegou à boca.

Se perdeu no frescor do momento
Na oportunidade de mais um quase
Entre os muitos que a vida compõe.

Uniu-se aos tantos arrependimentos
Nas asas de uma borboleta que foge
E se esgota no céu sem curvas.

Como a borboleta, nunca mais retorna
Somente a memória guarda a emoção
Da qual os lábios, tolamente fugiram.


Tela de Jean-Auguste Dominique Ingres - (1780/1867)
Pintor Francês.

Teresinha Oliveira. 




terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A ARTE DA SEDUÇÃO.

Carl Schweninger - (1818/1887) - Pintor Austríaco.
              Pensei em escrever. 
              Porém, sobre a arte da sedução pouco, quase nada, restou para contar ante essas pinturas.
              Cada uma tem sua própria história de amor, feliz ou não.
              Sacia nossa emoção a beleza de cada obra, sem necessidade das palavras, que em tinta se escreveram.

                                                                  

Daniel Ridgway Knight - (1839/1924) - Pintor Americano.

Egisto Lancerotto - (1847/1916) - Pintor Italiano.
" She Loves Me"

Charles Edouard Edmond  Delort - (1841/1895)
Pintor Britânico - " A Toast To Love "


Ferdinand Roybet - (1840/1920) - Pintor Francês
" The Present "


Frederico Andreotti - (1847/1930) - Pintor Italiano.
" The Persistent Suitor "


Francesco Hayez - (1791/1882) - Pintor Italiano.

Francesco Beda - (1840/1900) - Pintor Italiano.
" The Suitor "

François Boucher - (1703/1770) - Pintor Francês.


John Everett Millais - (1829/1896) - Pintor Inglês.
" Yes "


John William Godward - ( 1861/1922 )- Pintor Inglês.
" Yes or No "


Pietro Torrini - ( 1852/1920) - Pintor Italiano.

Teresinha Oliveira.
 


BOM-DIA DIA


Aquarela de John Gannam - (1907/1965)
Pintor e Ilustrador Americano.

....Ahaaaa....
Hoje será um lindo, um lindo
Um lindo dia !
Bocejo esticado ao longo dos braços
 Otimismo sem pé nas águas do dia.

Bom-dia sol
Bom-dia vida, bom-dia céu, bom-dia nuvens
Bom-dia espelho, relexo da minha descabelada maluquice.
Hoje chegará uma carta, flores com cartão em letra bonita
Fatia de bolo ainda quente da vizinha do lado.
Dinheiro cairá do céu
Boa notícia, surpresa feliz.

Os que perto de mim acordam com café e pão à mesa 
Irritam-se e pedem silêncio ainda em caretas de sono.
 No fundo, bem fundo, divertem-se  num paradoxo amoroso
Sempre que a mim analisam e das minhas manias riem entre si.

Quando o meu exuberante bom-dia for lembrança
Terá cor de gargalhada, ímpeto de olho marejado de lágrima boba
  Melhor saudade...

Bom-dia, meu Senhor amado
Bom-dia, meus anjos e santos
Bom-dia meu São Francisquinho

São Francisco, mais querido, que em cerâmicas ou tintas por perto sempre está
Cercado pelos pombos que espanto 
Perdoe-me a implicância, mas para bicho de chatice empenado
Não se deseja bom-dia!

Tela de Stanley Spencer - (1891/1959)
Pintor Inglês.

Teresinha Oliveira.





segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

MANDALA.

MANDALA
Há dias melhores, há dias piores...
Há dias que nem há
Perdidos dentro de uma vida estéril
 Que não se pariu.
Há dias benfazejos que evaporam
Como se o canto de um galo fosse
Seu alfa e seu ômega.

Há dias para amar.

Quando o amor dilata e abre os braços
Envolvendo o sol que assim não brilha.
A noite que já não é, facilmente se engana
Presa nos corpos que não cansam.
À luz além de si mesmos cegam
Pastores errantes na escuridão de cortinas
Que ocultam o tempo dos amantes findo.

Há dias para morrer.

Quando urdidos os últimos fios de ar no tudo feito
No tanto mais que na incompletude restou como seu por fazer.
A primeira sombra tolda os desejos que se esgotam
Em naus partindo nessas horas cruas
Sem retorno aos grãos de areia que escoaram
Nas reviravoltas da ampulheta
Que mãos, sem nem pensar, girou.   
 

Mandala de Ryan Kerrigan.
Ilustrador Americano Contemporâneo.

Teresinha Oliveira.
Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com.br

domingo, 18 de dezembro de 2011

ATRÁS DO ESPELHO

Todos já leram
Porque mesmo o pior dos poeta já contou
Com seus versos de rimas pobres, sem ritmo
-Na profundidade da gota d'água-
Que dentro de cada um de nós
Existe a criança que um dia se foi.

Se desapareceu na sucessão das estações  
Se ninguém dela sabe, nem mesmo de relance viu
Talvez esteja embaçada no espelho
Do outro lado, buliçosa rindo
Das marcas que o tempo deixou no rosto
Daquele que a festa da vida perdeu.


Tela de Yuri Krotov
Pintor Russo.

Terê Oliva


sábado, 17 de dezembro de 2011

OS GATOS E OS SIGNOS.


ÁRIES











Um talentoso ilustrador, amante de gatos, provavelmente ao ler o seu horóscopo do dia, viu nascer em sua cabeça a ideia e as cores para desenhá-los.
Associou cada um ao seu respectivo signo do Zodíaco.
Infelizmente não consegui o nome do autor, ou autora, de tão lindas obras.
Quem souber, me conta...

Teresinha Oliveira.

NOMES FLORIDOS

 
Lygia perdeu uma letra e suavizou em Lyli.
Lenta demais para um grito, tão necessário com essa garotinha que não aquieta dois minutos seguidos, logo se economizou sílaba e garganta e sobrou a Ly.
Essa menina fez das palavras aliadas e na profusão de suas idéias originais, com uma lógica que só a si mesma convém, diverte e muitas vezes assusta a todos. 
Talvez, essa irônica-filósofa-mirim tenha herdado o talento da sua madrinha nominal, a outra Lygia, a Fagundes Telles, famosa escritora de quem sua mãe, dos muitos lidos copiou o nome e até o Y .
Diz que quer ser escritora também, e sei que histórias não lhe faltam, mas nenhuma página será capaz de contar o que seu olhar enviezado nos revela quando a voz finalmente se cala.

Manuela quase foi Eduarda, com Maria na frente para tirar a robustez do nome do pai que ela tanto ama.
Mas trocar o O pelo A, mesmo rebocando o Maria, não bastou  para substituir a originalidade de Manuela, fator da escolha depois de tanta análise sobre a questão.
Logo porém, muitos o descobriram e assim batizaram. A originalidade foi perdida mas ganhamos Manu, com grandes olhos que ela insiste serem verdes, cachos e mais cachos que só molhados se aquietam, e uma deliciosa mania de usar uma palavra que quase ninguém usa - sim.
-Quer sorvete? Sim. -Vamos andar de bicicleta? Sim.
Num determinado momento deixou de ser Manu e por semanas se tornou Kiara, a leoazinha neta do Rei Leão.
 Papai Simba e mamãe Nala incorporaram seus devidos personagens com bom-humor e esperaram a fase felina passar.
Demorou, mas passou.
Porém Manu ainda não é Manu, agora é Aurora, a Bela princesa Adormecida.
Estranha escolha para uma menininha que não gosta de dormir.


Telas de Catherine Klein - (1861/1929)
Pintora Prussiana

Teresinha Oliveira
- Tere ou Terê ou simplesmente Tê 
http://tereoliva.blogspot.com.br

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O OVO DOS CÉUS


A vida era um milagre que
 Perplexo diante de si mesmo
Se ocultava na miríade dos astros.
Por lá perdido, entre gases e pó
Na beleza das manchas do céu
Sentiu-se inútil e sem razão.
Por um acaso, talvez capricho dos deuses
Ociosos, sem motivos de rir
Cedeu às lisonjas da carne
 Virou fruto e gotejou 
No corpo de uma mulher.


Tela de Adam Miller - (1979)
Pintor e Grafiteiro Britânico.

Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com.br



CABEÇA VIAJANTE

Acordar às três da madrugada
Sem sono ou precisão
Passeando dentro da própria cabeça
Por becos escuros, esquinas com bolhas no pé
Sem colher fruto
Sem definir palavra
Sem planejar ação
Até o dia clarear inequívoco
É ganhar tempo extra para pensar
No desnecessário pensar
Que as horas ensolaradas nem imaginam . 


Tela de Frederick Childe Hassam -(1859/1935)
Pintor Americano.

Teresinha Oliveira
Terê Oliva

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

JARDINS PÚBLICOS


Tela de Jasek Yerba - (1952)
Pintor Polonês

 Perambulo minha solidão
Pelos jardins públicos no velho centro do Rio
Entre mendigos, gente feia, gente bonita
Ruas históricas, flor quase nenhuma.

O soldado sem espada da estátua 
Triste me olha.
Vendedores ambulantes oferecem bugigangas
Sob o sol, quarenta graus de verão.

Passarinho que perto passeia, corre e logo se vai.
Sentar no banco para pensar não arrisco
Com medo de ladrão que atrás de todo canto brota
Geração espontânea nessa cidade tão linda.

Guardo minha solidão
Para em sonhos, vadiar em Paris.


Tela de Giuseppe Mariotti -Itália

Teresinha Oliveira
Terê Oliva




BILHETES PARA O DEPOIS

O que faço aqui nessa vida é pergunta que me acerca
Antes mesmo do primeiro beijo, das praias, dos livros
 Antes de Fernando, de Nietzsche, de Wilde, de Austen...
Antes mesmo de ser eu.
Alva ou negra, talvez gris, gris quase certo
Porque nem a cor que me tinge com força defino.
Responderei depois, entre névoas de um lugar novo
Definitivo, sem curvas de retorno.

Se nesse azul cinzento tateio e pouco
De mim mesma conheço, boa ou má
-Ah! Como quisera que essa escolha fácil assim o fosse-
O que posso ler no olhar do outro
Ao me encarar gasta, já com tanto decidido?

Deixo bilhetes, flagrantes e outros sinais
Disfarçados nas árvores que plantei.
Nelas guardados, orquídeas, bromélias
Jardins onde quebrei unha e sorri com flor
Muito revelam enquanto murcho.

Escrevo poesias onde minha emoção
Usa o eu que em mim serpenteia.
Cobra da qual não consigo cortar a cabeça
 Extirpar as entranhas e ali, oráculo
Desvendar os mistérios do verso.

Os livros, muitos, sujos de café, gordura
Das cinzas dos cigarros que fumo
Em seus grifos que sem cuidado
Das páginas transbordam
Contam de mim muito mais do que
Qualquer palavra dita.

Meus cadernos até a última página escritos
Com minha letra bonita, em grafite desenhada
Para marcar presença e lembrança
Deixa em toda dúvida com que a vida me cerca
Uma fonte inesgotável de amor para a resposta final.


Tela de George Baxter - (1804/1867)
Pintor Inglês.

Teresinha Oliveira.



segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

RESQUÍCIOS.

Resquícios, somente resquícios empoeiram
O espelho e as asas do pássaro que finalmente
Atravessa a janela do meu quarto
Com os grãos do que um dia foi amor.

Voa, pequena criatura, voa...
Levando a imagem do que fomos.
A sombra do que tentamos
Desesperadamente, ser.

Voa, mesmo torto
Pelo peso dos desejos insepultos
Esperança trancada em cofre de prata
Angústia do impossível.

A verdade, em destino camuflada
No íntimo lateja, sem disfarces.
Falta coragem para rasgar os céus
Seguir tua rota, peregrina da tua aventura.

O grito se encolhe mudo, nó que estrangula
O olhar se desvia e o corpo se veste. As mãos
Lindas mãos que tanto amavas, estáticas hesitam
No bronze do adeus final. 


Tela de Thomas Wilmer Dewing - (1851/1938)
Pintor Americano.

Teresinha Oliveira.




domingo, 11 de dezembro de 2011

A HERANÇA

Recebi uma herança.
Todos riram e ninguém acreditou. Afinal nunca tive nenhum parente rico, nenhuma tia velha e sem filhos, sem herdeiros diretos ou indiretos, tal qual sujeito sem predicado ou objeto. Melhor ainda seria classificar como sujeito inexistente, porque se não há herdeiros, muito menos a tia.
Família pobre só herda dívida e problema. O coitado do defunto ainda permanece insepulto enquanto se coleta donativos para caixão e cova. Flores? Para que? Isso é ostentação para quem mal consegue pagar o chão.
Se a rima é pobre, também pobre é a vida de quem nasceu sem os gens da fortuna.
Assim, no país onde o jogo é proibido, até mesmo o chatíssimo bingo que é a alegria das velhinhas, todos arriscam a sorte numa das incontáveis casas lotéricas que pipocam a cada esquina.
Jogamos na loteria e quando o prêmio se acumula em milhões e milhões, nos assustamos com tamanho volume e a chance de ganhá-los. Nem os queremos tantos.
Apesar de remota possibilidade começamos logo a distribuí-los entre a família e os amigos. Lembramos do primo que viu a casa naufragar nas águas da serra, do irmão que mesmo com laureado diploma vive desempregado, da irmã que casou com o bonitão do bairro que lhe deu quatro filhos mas nenhum tostão, do pai aposentado, da mãe que precisa operar as varizes mas não tem plano de saúde, dos filhos.
Esses então...Com eles e para eles nunca há o suficiente.
Incorporamos a personagem do "Bilhete Premiado" de Tchekhov, que sem conferir todos os números sorteados, julga-se um sheik da Arábia e cria o caos na sua, antes pacata, vida.
Mas não é somente na jogatina que repousa a sorte do dinheiro fácil, sem suor e labuta. Na herança também cai ele do céu, dando susto até na esperança que por ele nunca esperou.
Comigo assim se deu, através de um telefonema que pensei brincadeira, dessa minha gente que em tudo descobre, nem que seja no mais ínfimo pedaço, motivo para riso e ironia.
Pediram número de documento... Quem morreu? Quem?... Tia Noca? Ah, lembro...Já sei quem é... Banco, agência, número da conta corrente... Dividiram por quantos? Tantos assim?... CPF... Quanto receberei?... Fala logo! Qual o valor da Herança?... R$1.531, 08... Quanto !?
Pareço ouvir a gargalhada do Papai Noel que, nessa época de natal, pendurei na minha árvore.


Tela de Jean Bailly - (1940)
Pintor Argelino Contemporâneo.

Teresinha Oliveira.
  

A FORTUNA


O sonho da fortuna persegue a humanidade e a agarra pelo pé; como o da beleza, o do amor eterno, o da felicidade sem nódoa.
Logo se vê ela presa na utopia sonhada e jamais cumprida.
Nessa armadilha enredados, nós, pobres e caricatos mortais, procuramos o Olimpo, a Fonte da Juventude, o Pote do Tesouro no fim do arco-íris. 
O Espelho Mágico que repete incessantemente sermos os mais belos, a Poção Alquímica que tudo transforma em ouro, mesmo ao pão, que no metal forjado nos matará de fome.
Admiramos e invejamos àqueles que se destacam entre milhões, seja lá por qual motivo for, só a cada um de nós compete conhecer a frustração da própria vontade.
Que me perdoem os demagogos e mentirosos que nem a si mesmos contam a verdade... Inveja é inveja! Não possui cor nem extensão.
Difícil escapar dela, quando nosso desejo desfila ante nossos olhos em posse do outro, mas esse selo que nos aprisiona devemos romper, para não azedar a boca e corromper a prece. 
Se a juventude deslizou entre os dedos das horas e deixou os sonhos lá trás sem tijolos e argamassa, a vida permanece na palma das mãos.
Nela podemos pintar telas com navios partindo, bailarinos dançando tango, amantes se beijando às margens do Sena, meninas correndo com cabelos ao vento, e bancos, muitos bancos num jardim para sentar e soltar aos céus os 
pássaros da imaginação, que se não traz ao real nenhum bem, também mal não faz.


Tela de Marinus Van Reymerswaele - (1490/1546)
Pintor Holandês.

Terê Oliva  

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A MOSCA

O pão guardado no saco endureceu com minha preguiça.
Caminhar para encontrá-lo quente gasta perna e usa tempo.
Café forte com leite e manteiga salgada
Compensam o risco de quebrar dente.
zzzz Vapt! zzzzzzzzzz Vapt! zzzz
Uma mosca surge e pousa, aqui e ali, longe e perto.
Como atravessou oceanos de telas
Riscados em quadradinhos minúsculos, não sei.
Admiro sua persistência e agilidade, mas tal não basta
Para me despir das vestes de verdugo, camisola preta 
E abrir mão de matá-la com o jornal de ontem dobrado.
Afinal, com as notícias que traz, desempenha melhor função
Matando mosca.
zzzz Vapt! zzzzzzzzzz Vapt! zzzz
Circunda o açucareiro e dança ciranda sobre a mesa.
Zune e me enerva, logo de manhãzinha...
O pão fica mais duro, o café esfria.
Pousa no açucareiro e lá faz festa com suas patas
Me enoja o doce futuro e jogo-o fora.
Vapt! Vapt! Vapt!
Eu a persigo, riscando o ar com fúria de café frio.
Acerto a xícara, que cai ao chão e se quebra
Espalhando o líquido restante que ainda continha.
Descalça, piso num caco e me corto.
Agora é questão de honra!
Vapt! Vapt! ZUM...ZUM... zuuuummmm....
Acerto a danada, que cai em espiral dentro da manteiga.
Ainda tenta escapar, na gordura agitando asas.

Limpo a mesa
Jogo meu café da manhã no lixo junto com a mosca
Recolho os cacos, passo pano no chão
Faço um curativo no meu pé e
Vou tomar uma média na padaria da esquina.



Tela de Antonio Guzman Capel - (1960)
Pintor Espanhol Contemporâneo

Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com.br



  

ÓPERA-BUFA.

Releio-me. Ao me reler, enrubesço.
Já escrevi muito além do que deveria ousar.

Revelo segredos e desvendo enigmas 
 Que lá no fundo deveriam repousar sem romper a linha censora

Que o velho sábio de barba, sagaz chaveiro
Do seu divã esticou.
   
Talvez por isso esse oco solene em minha alma que já tudo desvendou
Mas se revelou incapaz de seguir ordens.

A vida não passou de uma ópera-bufa 
Com risadas sarcásticas aclamada.

Logo a cortina de veludo vermelho caiu
E a luz se apagou.


Tela de Giovanni Paolo Pannini - (1691/1765)
Pintor e Arquiteto Italiano.

Teresinha Oliveira.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

MAGO NOEL.

Nadar nua entre peixes
Nua de véus, nua da  vida
Meio índia, meio fada
Silente princesa das águas.
Moléculas e células mutantes
Ora terra, ora vento, ora ser que não há.

Andar nua por aí
Qualquer aí ou acolá.
Mágica nudez entrelaçada
Nos quarenta graus de dezembro
Era tudo o que eu queria
De presente de Natal.


Tela de  James C. Christensen - (1942)
Pintor Americano.

Teresinha Oliveira.

CARTAS.

Tela de William Maw Egley - (1826/1916)
Pintor Britânico.


Todas as cartas que não escrevi
E as que escrevi e rasguei
E as que não enviei apesar de escritas
E outras que joguei fora sem pestanejar
Por preguiça de caminhar aos Correios
Por inexistência de pombos
Ou por terem se esgotado no tempo...

Todas elas
Guardo comigo.
Se não na memória
Na emoção.

Tela de Georgios Iakovidis - (1853/1932)
Pintor Grego.

Teresinha Oliveira.

CADÊ MEUS ÓCULOS ?

Existem coisas irritantes nessa vida.
Pessoas, manias, barulhos, cheiros, bichos, densidades e proporções. 
Pequenas e grandes iras das quais não se escapa por mais que delas fujamos. Estranhamos dentro de nós mesmos o ímpeto de assassinar a vizinha que coloca um rock metálico para tocar às 7 da manhã, e se crendo a personificação tropical da Madona, ainda esgarniça a voz ao cantá-lo com suas cordas granuladas.
Das pessoas que falam cuspindo é fácil se livrar, basta conservar segura distância, desde que a cuspideira não una à sua nuvem de saliva o jeito de falar pertinho, mais pertinho... Você se afastando, mais pertinho...
Tem gente que cutuca, que está sempre doendo, que conta mentiras deslavadas, que é megalomaníaca, que dá conselhos que você nunca pediu ou vai seguir, que fala alto ou baixo demais, que conversa com os olhos fechados, que come com a boca aberta, que conta segredos alheios, que fala da novela como se fosse notícia da primeira página de jornal, que revela o final do livro que você está lendo ou do filme que pretendia assistir no dia seguinte, que tem chulé, mau hálito e caspa, que fala mal de Deus e do mundo, que vive infeliz, que nunca ri da sua piada, que usa perfume da Avon. Tanto mais...
Porém nós, numa autoanálise nua e crua devemos confessar nossas mazelas, porque afinal ninguém nessa vida é perfeito, e com certeza incomodamos os outros na mesma proporção em que nos atazanam o juízo. Damos esse troco não por vingança, mas para que a convivência social seja harmoniosa e possível.
Sei que meu despertar cantante, e psicanaliticamente analisável pelo tamanho do bom-humor, agride àqueles que acordam sob o mesmo teto já atrasados e com a cabeça cheia de tarefas e preocupações.
Para quem não fuma, a fumaça dos meus cigarros deve ser um fator de irritação quase incontrolável, mas mantenho os cinzeiros limpos e as janelas abertas como a pedir desculpas.
Acredito que o pior e o mais enervante, até porque o é para mim mesma, seja a caça aos óculos. Só não pegunto à cachorra se não os viu por aí.
Já tentei de tudo para solucionar o problema, até numa ótica popular com preços inacreditavelmente baixos, creiam, comprei cinco iguais. Com minha metódica personalidade defini os cantos para cada um. Mas qual... Continuam desaparecendo como par de meia e brinco.
Alguém viu meu óculos? Alguém viu? Alguém viu?
Vi sim, estão na sua cabeça.


Tela de Paul Albert Guillaume - (1873/1942)
Pintor Francês.

Terê Oliva