domingo, 11 de dezembro de 2011

A HERANÇA

Recebi uma herança.
Todos riram e ninguém acreditou. Afinal nunca tive nenhum parente rico, nenhuma tia velha e sem filhos, sem herdeiros diretos ou indiretos, tal qual sujeito sem predicado ou objeto. Melhor ainda seria classificar como sujeito inexistente, porque se não há herdeiros, muito menos a tia.
Família pobre só herda dívida e problema. O coitado do defunto ainda permanece insepulto enquanto se coleta donativos para caixão e cova. Flores? Para que? Isso é ostentação para quem mal consegue pagar o chão.
Se a rima é pobre, também pobre é a vida de quem nasceu sem os gens da fortuna.
Assim, no país onde o jogo é proibido, até mesmo o chatíssimo bingo que é a alegria das velhinhas, todos arriscam a sorte numa das incontáveis casas lotéricas que pipocam a cada esquina.
Jogamos na loteria e quando o prêmio se acumula em milhões e milhões, nos assustamos com tamanho volume e a chance de ganhá-los. Nem os queremos tantos.
Apesar de remota possibilidade começamos logo a distribuí-los entre a família e os amigos. Lembramos do primo que viu a casa naufragar nas águas da serra, do irmão que mesmo com laureado diploma vive desempregado, da irmã que casou com o bonitão do bairro que lhe deu quatro filhos mas nenhum tostão, do pai aposentado, da mãe que precisa operar as varizes mas não tem plano de saúde, dos filhos.
Esses então...Com eles e para eles nunca há o suficiente.
Incorporamos a personagem do "Bilhete Premiado" de Tchekhov, que sem conferir todos os números sorteados, julga-se um sheik da Arábia e cria o caos na sua, antes pacata, vida.
Mas não é somente na jogatina que repousa a sorte do dinheiro fácil, sem suor e labuta. Na herança também cai ele do céu, dando susto até na esperança que por ele nunca esperou.
Comigo assim se deu, através de um telefonema que pensei brincadeira, dessa minha gente que em tudo descobre, nem que seja no mais ínfimo pedaço, motivo para riso e ironia.
Pediram número de documento... Quem morreu? Quem?... Tia Noca? Ah, lembro...Já sei quem é... Banco, agência, número da conta corrente... Dividiram por quantos? Tantos assim?... CPF... Quanto receberei?... Fala logo! Qual o valor da Herança?... R$1.531, 08... Quanto !?
Pareço ouvir a gargalhada do Papai Noel que, nessa época de natal, pendurei na minha árvore.


Tela de Jean Bailly - (1940)
Pintor Argelino Contemporâneo.

Teresinha Oliveira.
  

Nenhum comentário: