segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

SILÊNCIO.



   Difícil explicar o silêncio. A própria idéia o define e não permite barulhos outros, porém encontrei este texto, página primeira de livro novo, em que o silêncio chega a ser quase palpável. Divido com vocês...
   "Noite outra vez. A Pousada Marco do Percurso estava em silêncio, e era um silêncio em três partes.    A parte mais óbvia era uma quietude oca e repleta de ecos, feita das coisas que faltavam. Se houvesse vento, ele sussuraria por entre as árvores, faria a pousada ranger em suas juntas e sopraria o silêncio estrada afora, como folhas de outono arrastadas. Se houvesse uma multidão, ou pelo menos um punhado de homens na pousada, eles encheriam o silêncio de conversa e riso, do burburinho e do clamor esperados de uma casa em que se bebe nas horas sombrias da noite. Se houvesse música...Mas não, é claro que não havia música. 
   Na verdade, não havia nenhuma dessas coisas e por isso o silêncio persistia. Dentro da pousada, uma dupla de homens se encolhia no canto do bar. Os dois bebiam com serena determinação, evitando discussões sérias ou notícias inquietantes. Com isso, acrescentavam um silêncio pequeno e soturno ao maior e mais oco. Ele formava uma espécie de amálgama, um contraponto. 
   O terceiro silêncio não era fácil de notar. Se você passasse uma hora escutando, talvez começasse a senti-lo no assoalho de madeira sob os pés e nos barris toscos e lascados atrás do bar. Ele estava no peso da lareira de pedras negras que, conservava o calor de um fogo há muito extinto. Estava no lento vaivém de uma toalha de linho branco esfregada nos veios da madeira do bar. E estava nas mãos do homem ali postado, que polia um pedaço de mogno já reluzente à luz do lampião.
   O homem tinha cabelos ruivos de verdade, vermelhos como a chama. Seus olhos eram escuros e distantes, e ele se movia com a segurança sutil de quem conhece muitas coisas. Dele era a Pousada Marco do Percurso, como dele era também o terceiro silêncio. Era apropriado que assim fosse, pois esse era o maior silêncio dos três, englobando os outros dentro de si. Era profundo e amplo como o fim do outono. Pesado como um pedregulho alisado pelo rio. Era o som paciente - som de flor colhida - do homem que espera a morte."

"O Nome do Vento" - Patrick Rothfuss - Página 1

Sofrimento com página marcada.

"Creio que só devemos ler a espécie de livros que nos ferem e trespassam. Se o livro que estamos lendo não nos acorda com uma pancada na cabeça, por que o estamos lendo? Porque nos faz felizes, como você escreve? Bom Deus, seríamos felizes precisamente se não tivéssemos livros e a espécie de livros que nos torna felizes e que escreveríamos se a isso fossemos obrigados. Nós precisamos de livros que nos afetam como um desastre, que nos magoam profundamente, como a morte de alguém a quem amávamos mais do que a nós mesmos, como ser banido para uma floresta longe de todos. Um livro tem que ser como um machado para quebrar o mar de gelo que há dentro de nós. É nisso que eu creio."
Franz Kafka Carta a Oscar Pollak (1904)

A MESMA SUBSTÂNCIA - Blog REMINISCENTIA

     Você me fechou as portas, mas pulei as janelas e cá estou conversando consigo. Cruel sua postagem, Ciça, mas não equivocada. São os poetas meio loucos mesmo. Tem eles um olhar particular e sensível sobre tudo; mas os analistas?
  Permanecem eles de fora, só observando as angústias alheias, mas sabiamente, nunca mergulham nessas ondas revoltas.► Aqui.

             Tela de Luigi Spano - Pintor Italiano - Contemporâneo.

                                   Teresinha Oliveira.

domingo, 30 de janeiro de 2011

VESTIR PALAVRAS - Blog REMINISCENTIA

  Por que comentar aqui? Porque você, minha linda, apagou meu espaço, por direito adquirido, de comentar lá, no SEU blog. Bobagens de Cecília! "VESTIR PALAVRAS" é um pedacinho de nossa própria história. 
Claro que as belas roupas não faziam parte do contexto, mas as palavras...  ►Aqui.

    Tela de Cecil van Haanen - (1844/1914)
                Pintor Austríaco.

                         Teresinha Oliveira.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

XADREZ DE ANGÚSTIAS



"Passei a vida inteira a querer interpretar-te - oh! delicioso desperdício!- e nem sequer era por amor." Inês Pedrosa em "Fazes-me Falta" Pág.19 - Editora Alfaguara.

Também nós o fizemos. 
No jogo de xadrez interminável que esgotava as emoções rotas  
Das nossas noites  
Sentados nos sofás macios da varanda que planejáramos em cada detalhe nos tempos do amor.
Nenhum de nós dois conseguia vencer, ou ao menos compreender a batalha medieval que saía do tabuleiro para a vida real.
O xeque-mate, o rei morto, nunca morreu. 
A glória da vitória não foi minha ou tua porque o jogo terminou na escuridão dos derrotados. 
Nem os mestres russos poderiam se movimentar incólumes no quadrado bicolor encharcado de vodka, lembranças e lágrimas.
Lágrimas minhas, lágrimas tuas 
Insolúveis no caldo do luar sem arremate.
Adordoado rei sem caminhos diante da rainha de vestes esfarrapadas que arrastava seus mantos para longe de ti. 
Perda de tempo. 
A guerra se transformou em nosso sonífero.
A corte bocejava enquanto os cavalos pisoteavam tudo o que ainda pudesse restar de pé. 
Até os peões, derradeira linha de esperança, se viram esmagados pelo nosso cansaço.
Amor logo não era, se é que algum dia o fora, pois todo amor é feroz.
Se o nosso, verdadeiro fosse, com um gesto violento atiraria o tabuleiro contra a parede e arrastando-se, cataria as peças do chão.


                       Tela de Liana Moiseeva - Pintora Russa
                        Terê Oliva -Teresinha M. de Oliveira
                         http://tereoliva.blogspot.com.br
                         

                       

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

LIVRO RABISCADO 3 - Conversando com Inês Pedrosa


   Se teus sonhos e tua dor passam por corredores escuros e frios, os meus galgam escadas; ou descem por elas meus pés escorregadios na lama, em cacos de mármores quebrados e desconexos, saltanto vãos que me atirariam ao precipício, que não vejo mas pressinto, num milimétrico erro do pulo. 
Não são escuras e frias minhas escadas, mas donas de tantas minúcias... tão enigmáticas e de tão variadas formas e crueldade, que nunca lhes percebi luz ou temperatura.
  Apenas as sonho e as enfrento. Algumas viverão na minha lembrança para sempre, como um altíssimo caracol que desço no passo medido pelos degraus curtos, que me leva a um chafariz onde muitos hipocampos dançam em volta do esquicho d'água. Meu inconsciente liquefeito em fantasia.
 Nem posso afirmar, cara amiga, ante essa disputa onírica, qual de nós duas enfrenta maior pavor. Mas sendo fiel à verdade, e navegando no navio absoluto de que ela é construída, como afirmas numa rica metáfora, o prêmio é teu.
 A morte não me busca no lado de lá, nem caveiras irônicas gargalham e me perseguem no lado de cá.   Meu dia é meu porque meu amor não morreu. Talvez porque nunca tenha vivido. 
 Triste, mas a tristeza da inexistência é menor que a da ausência.  Enfrentar os demônios da solidão não me faz rever retratos em álbuns antigos ou relembrar o que foi ou poderia ter sido. Imensurável sofrimento.
  Evito o medo e a dor ao viver o dia com seus pequenos prazeres e quando a noite cai, basta fechar a cortina e vencer o desafio das escadas.

    Tela de Jules Giradert - (1856/1946)
                Pintor Francês

            Terê Oliva

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

LIVRO RABISCADO 1 - Inês Pedrosa

  Oi, Inês. Dona Inês das Pedras lá do além mar. Amiga nova e intensa que me põe logo a pensar.
  Nem caminhei pelas primeiras páginas e já cá estou para discutir contigo. Soube que és amiga íntima do Fernando e, parece-me que, como ele, vais me despertar a magia do grafite e essa amizade corriqueira de mesa de bar, onde se bebe vinho -um bom tinto português, com certeza- e se aceita ou se discorda da filosofia amiga. 
   Falação e espírito purgando na líquida noite.
  Também creio nesse lúcifer, em letra minúscula por não merecer maiúscula, escondido nos tecidos de Deus. Se assim não fosse, não veríamos tantas bestas criadas a matar criancinhas e a fomentar o mal em sua pura essência.
  Mas Deus não explodiu na flor da solidão, ou criou o mal para companhia, por que solidão não explode em flor de luz. Ela é massuda e pesa, e Deus não se enredaria nessa armadilha de Si Mesmo.
  Ele se incendiou foi de amor. E amor é coisa assim.... tão forte e quente que não se sabe expressar ou mais sentir, e se completa no sem fim dos detalhes para aperfeiçoar o já perfeito e pronto. 
  Quando o bastante não é bastante, se ama.
  E se primeiro nasceu a rosa ou o leão pouco importa, porque da pétala veio a flor inteira, a camélia, a tulipa e todas as outras, da girafa o pescoço, das garras e presas as feras. E a formiga, e a cobra, e a borboleta apenas se bordando asas nos seres rastejantes.  
 Num estalar de dedos, gritando o ainda distante Eureka, voaram pássaros entre águas e pedras. 
  Logo passeou Ele em espaços sem fim, criando no passo campos para pisar macio e brincar criança com sua aquarela colorida. 
  De uma gota escorrida sem cuidado fez-se o borrão, do borrão surgimos nós.
  Logo então Ele sorriu da própria tolice e foi descansar.


               Tela de Idovico Marchetti - (1853/ 1909)
                            Pintor Italiano

                               Teresinha Oliveira.

domingo, 16 de janeiro de 2011

SÁBADO ANTE INÊS PEDROSA

   Cadê meu óculos que olho cego não escreve?... Já perdi a borracha. Borracha velha, pequenininha de tanto apagar erro no meu escrever. Peguei uma maior, que daqui a pouco tá pequenininha e macia também; mas virar amigo demora.
   Achei a borrachinha debaixo da cadeira. Só chatice para atrapalhar meu escrevinhar
   Toca o telefone! Tomara que seja engano, pois me poupa palavra e tempo. E o é. Sorte minha não ter nenhum Tiago por cá.
   Esse livro, presente de filha, não me parece bom. Muito pensamento, muita coisa linda pra distrair da história. Muita filosofia para entupir minha cabeça de coisa que não quero pensar. Muita metáfora... Coisa de gente esperta que não quero ser mais. Cansei desse vai e vem da Língua, que não me mostra o caminho do que quero saber.
   Me desculpa D. Inês das pedras, mas quero mesmo é uma boa história, com beijo na boca no final e olhar meloso que tudo diz sem nada dizer, porque o precisar falar não se faz. Coisa de romance em livro velho, desses que se vende em banca de jornal, bem baratinho e sem intenção.
   Sou mesmo quem não quero ser. Como muita gente por aí que se perdeu pelas veredas dessa vida sem fim, que se enrosca e se enrosca no corpo da gente. Esse livro promete sofrimento. É ler coisa que te magoa a alma pois diz coisa que ela não quer ouvir, nem baixinho só pro teu coração ouvir. Ah! Como cansa ler tudo isso, e parar de repente sem nada poder fazer pra mudar o teu dia que amanheceu tão lindo, cheio de sol e céu azul. Como ficar triste num dia assim, tão perfeito saído das mãos de Deus pra você viver? Mais sábio seria fechar o livro e tomar o café, mesmo frio, de ontem, o danado escorre gostoso e estala na língua pedindo o cigarro. Esse sim,maldito! Mas como se livrar dele, grande amor que não suporta rompimento? Pior que amor de gente! Pois desse se esquece sem tormentos maiores, pelo menos eu que nunca fui de amar assim, desse jeito maluco que esse povo ama, desabando lágrima e esperando o pra sempre.
   Meu amor é de mansinho, que começa e acaba sem rebuliço maior que folha caindo. Sem a dor que paralisa certa criatura que ama demais, que nem em si entende porque ama assim o distinto, o homem malvado que maltratou teu coração não merece tudo isso.
   Às vezes, nem filho merece esse amor de rasgar peito, de doer fundo... Eles crescem rápido demais e saem por aí, pela vida fazendo bobagem ou fazendo certo. Só a cada um compete.
   Xiiiii.... Acabou o gás! E a carne que tô fazendo, tão viçosa, com água e cheiro de laranja tá lá secando, esperando o gás novo prá recomeçar. É sempre assim... Quando se animam as mãos e o apetite, algo dá errado. Esperar eu vou pois nada me resta além. Vou escrevendo por aqui e guardando a fome no grafite que distrai e me faz esquecê-la. Não sei se tenho mais algo a dizer, já que disse tanto e não disse nada. Gente esperta é assim! Fala, fala e nada diz. Já disse tanto e ninguém escutou mesmo, ou se escutou, fingiu não entender e me largou sozinha falando pras paredes, que é com quem gosto de conversar. Porque parede não responde, não contradiz... Fica lá parada, guardando do vento e da tempestade. Assim é bom. Melhor conversar com parede que ficar olhando pra teto. Tudo dá sensação de maluquice, eu cá sei, dentro de mim. Mas nesse mundo de Meu Deus, quem não é maluco? Quem já não quis ser outro, quis ter outro cabelo, outro olho, outro amor? Ninguém olha pro espelho e se vê feliz. Isso é do ser que já nasceu assim, e anda por aí, cavucando buraco atrás da sorte e encontrando confusão. E pra se livrar da confusão cria mais confusão. E assim vamos vivendo...
   E incha o pé e dói a cabeça e o coração vai batendo cada vez mais devagarinho, porque quem mais sente é o coração mesmo. E dor de coração ninguém pode curar. E não é só de amor que ele sofre.   Coração sofre de tanta coisa... Sofre de despedida de amigo, sofre de barriga vazia, sofre de esquecimento de aniversário, quando nem um presentinho se ganha, sofre de falta de dinheiro, sofre de cada coisa que martela na cabeça e não deixa dormir. Coração é coisa muito leve e se machuca à toa.
   Chegou o gás! O bom sujeito, mulato bonito e sorridente já botou o danado pra fazer fogo. Minha carne tá lá, renascida para o almoço, fênix no meio das muitas cebolas como gosto. Cozinhando sem pressas pra ganhar gosto e tenrice. Vai dar tudo certo afinal, e o sábado será ótimo.
   Quem sabe até me animo a ler o livro da D. Inês, pois deve ser bem diferente do último que li, cheio de bichos num circo que viaja de trem. Sou assim, uma comedora de livros, que me enchem o tempo e a cabeça. Livro é bom enchimento. Põe a alma gorda e empurra os olhos pra fora, faz até crescer cabelo e dilata o corpo, pois na falta do que mais fazer que dê tanto prazer quanto ler, se esquece dessas coisas de boniteza e se descansa o que se é, ou o que se gostaria de ser, no papel escrito, e o papel escrito por outro que não se conhece te traz pra dentro um novo amigo. Bom ou ruim só se sabe depois que o conhecer se fez. Alguns já te fazem olhar atravessado no momento primeiro: gente de cara amarrada, que fala alto demais, que te cutuca ou cospe enquanto conversa, que vai se aproximando, e se aproximando e se aproximando... Fuja logo! Aprendi isso nessa vida longa lidando com esses escrevinhadores, às vezes enganosos de fala macia e perniciosa.
   Já gastei lápis e cansei a mão. Se nada ficou claro, pra mim também não. Nem sei como começou ou de onde surgiu essa brincadeira de falar alto com sotaque nordestino. Se é maluquice ou jogo de criança, ninguém sabe, ninguém viu. Mas é bom. Nada custa e a nada azeda.


Tela de Evgenia Potrovna Antipova - (1917/2009)
                Pintora Russa.
               Terê Oliva - http://tereoliva.blogspot.com