domingo, 16 de janeiro de 2011

SÁBADO ANTE INÊS PEDROSA

   Cadê meu óculos que olho cego não escreve?... Já perdi a borracha. Borracha velha, pequenininha de tanto apagar erro no meu escrever. Peguei uma maior, que daqui a pouco tá pequenininha e macia também; mas virar amigo demora.
   Achei a borrachinha debaixo da cadeira. Só chatice para atrapalhar meu escrevinhar
   Toca o telefone! Tomara que seja engano, pois me poupa palavra e tempo. E o é. Sorte minha não ter nenhum Tiago por cá.
   Esse livro, presente de filha, não me parece bom. Muito pensamento, muita coisa linda pra distrair da história. Muita filosofia para entupir minha cabeça de coisa que não quero pensar. Muita metáfora... Coisa de gente esperta que não quero ser mais. Cansei desse vai e vem da Língua, que não me mostra o caminho do que quero saber.
   Me desculpa D. Inês das pedras, mas quero mesmo é uma boa história, com beijo na boca no final e olhar meloso que tudo diz sem nada dizer, porque o precisar falar não se faz. Coisa de romance em livro velho, desses que se vende em banca de jornal, bem baratinho e sem intenção.
   Sou mesmo quem não quero ser. Como muita gente por aí que se perdeu pelas veredas dessa vida sem fim, que se enrosca e se enrosca no corpo da gente. Esse livro promete sofrimento. É ler coisa que te magoa a alma pois diz coisa que ela não quer ouvir, nem baixinho só pro teu coração ouvir. Ah! Como cansa ler tudo isso, e parar de repente sem nada poder fazer pra mudar o teu dia que amanheceu tão lindo, cheio de sol e céu azul. Como ficar triste num dia assim, tão perfeito saído das mãos de Deus pra você viver? Mais sábio seria fechar o livro e tomar o café, mesmo frio, de ontem, o danado escorre gostoso e estala na língua pedindo o cigarro. Esse sim,maldito! Mas como se livrar dele, grande amor que não suporta rompimento? Pior que amor de gente! Pois desse se esquece sem tormentos maiores, pelo menos eu que nunca fui de amar assim, desse jeito maluco que esse povo ama, desabando lágrima e esperando o pra sempre.
   Meu amor é de mansinho, que começa e acaba sem rebuliço maior que folha caindo. Sem a dor que paralisa certa criatura que ama demais, que nem em si entende porque ama assim o distinto, o homem malvado que maltratou teu coração não merece tudo isso.
   Às vezes, nem filho merece esse amor de rasgar peito, de doer fundo... Eles crescem rápido demais e saem por aí, pela vida fazendo bobagem ou fazendo certo. Só a cada um compete.
   Xiiiii.... Acabou o gás! E a carne que tô fazendo, tão viçosa, com água e cheiro de laranja tá lá secando, esperando o gás novo prá recomeçar. É sempre assim... Quando se animam as mãos e o apetite, algo dá errado. Esperar eu vou pois nada me resta além. Vou escrevendo por aqui e guardando a fome no grafite que distrai e me faz esquecê-la. Não sei se tenho mais algo a dizer, já que disse tanto e não disse nada. Gente esperta é assim! Fala, fala e nada diz. Já disse tanto e ninguém escutou mesmo, ou se escutou, fingiu não entender e me largou sozinha falando pras paredes, que é com quem gosto de conversar. Porque parede não responde, não contradiz... Fica lá parada, guardando do vento e da tempestade. Assim é bom. Melhor conversar com parede que ficar olhando pra teto. Tudo dá sensação de maluquice, eu cá sei, dentro de mim. Mas nesse mundo de Meu Deus, quem não é maluco? Quem já não quis ser outro, quis ter outro cabelo, outro olho, outro amor? Ninguém olha pro espelho e se vê feliz. Isso é do ser que já nasceu assim, e anda por aí, cavucando buraco atrás da sorte e encontrando confusão. E pra se livrar da confusão cria mais confusão. E assim vamos vivendo...
   E incha o pé e dói a cabeça e o coração vai batendo cada vez mais devagarinho, porque quem mais sente é o coração mesmo. E dor de coração ninguém pode curar. E não é só de amor que ele sofre.   Coração sofre de tanta coisa... Sofre de despedida de amigo, sofre de barriga vazia, sofre de esquecimento de aniversário, quando nem um presentinho se ganha, sofre de falta de dinheiro, sofre de cada coisa que martela na cabeça e não deixa dormir. Coração é coisa muito leve e se machuca à toa.
   Chegou o gás! O bom sujeito, mulato bonito e sorridente já botou o danado pra fazer fogo. Minha carne tá lá, renascida para o almoço, fênix no meio das muitas cebolas como gosto. Cozinhando sem pressas pra ganhar gosto e tenrice. Vai dar tudo certo afinal, e o sábado será ótimo.
   Quem sabe até me animo a ler o livro da D. Inês, pois deve ser bem diferente do último que li, cheio de bichos num circo que viaja de trem. Sou assim, uma comedora de livros, que me enchem o tempo e a cabeça. Livro é bom enchimento. Põe a alma gorda e empurra os olhos pra fora, faz até crescer cabelo e dilata o corpo, pois na falta do que mais fazer que dê tanto prazer quanto ler, se esquece dessas coisas de boniteza e se descansa o que se é, ou o que se gostaria de ser, no papel escrito, e o papel escrito por outro que não se conhece te traz pra dentro um novo amigo. Bom ou ruim só se sabe depois que o conhecer se fez. Alguns já te fazem olhar atravessado no momento primeiro: gente de cara amarrada, que fala alto demais, que te cutuca ou cospe enquanto conversa, que vai se aproximando, e se aproximando e se aproximando... Fuja logo! Aprendi isso nessa vida longa lidando com esses escrevinhadores, às vezes enganosos de fala macia e perniciosa.
   Já gastei lápis e cansei a mão. Se nada ficou claro, pra mim também não. Nem sei como começou ou de onde surgiu essa brincadeira de falar alto com sotaque nordestino. Se é maluquice ou jogo de criança, ninguém sabe, ninguém viu. Mas é bom. Nada custa e a nada azeda.


Tela de Evgenia Potrovna Antipova - (1917/2009)
                Pintora Russa.
               Terê Oliva - http://tereoliva.blogspot.com

                                       

Um comentário:

Liliane disse...

Aí... Que delícia... Não tenho Inês Pedrosa (ainda) mas tenho Tere Oliveira...