sábado, 26 de fevereiro de 2011

BILHETE PARA NEUSA.

   Foi muito bom te conhecer, mulher poeta entre tantos escrivinhadores que tentam a arte que não se ensina ou se aprende. Escreves suave como pouco consigo, sempre envolta em tristeza e acidez. 
  Nem tuas navalhas cortam. Elas deslizam aladas, rabiscando o papel e deixando a todos arrepiados de ternura.
  Tua história de amor, de mar, de rosas e tinta me comoveu; e foi por mim espalhada para encantar amigos, que comigo dividiram tua emoção, por coincidência também em uma adega, com cheiros de vinho velho e madeira.
  Que pena! Sem quadros, mas com rosas cor-de-rosa à mesa. Sem mar, mas dele pertinho.
  Eu senti inveja da tua lembrança, do teu amor de pintor. Não inveja capital, um dos sete, pois não cabem em mim; pelo menos não todos.
  Mas uma inveja gulosa em comer um pedaço do doce que nos ofereceu.

                      Tela de Pieter Wagemans - (1948)
                              Pintor Belga

                       Teresinha Oliveira - (Maio/1995)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

COADOR DE POEMAS.

 Toda manhã é igual e simples
Cabeça sem sombras que o sol espantou.
Animados os membros se esticam
E as ideias surgem
Pontuadas em versos, nativos
Que comigo nasceram e carrego.
Plumas leves que nem sinto
Mas ao redor flutuam 
Ao viver a vida desse jeito meu
Devagarinho...
Diluo o poema no coador de café
Mas quando chego à xícara
Ele já me abandonou
.
Tela de Elizabeth Vaughan Okie Paxton - (1877/1971)
Pintora Americana.
.
Teresinha Oliveira.

CÁLICE QUEBRADO

O tempo por si só esgotou
Sem intervenção de pressa ou desejo
O conteúdo que o cálice
Tentou e teimou guardar incólume
Na correta temperatura
Por anos a frio.
.
Gelado ou da noite roubados graus
Permaneceu o líquido
Vinho das uvas melhores,brancas ou rubras
Quieto no cálice esperando
O brinde que nunca se fez
Na noite, sempre em noite renovada.
.
Quebrou-se o cálice.
Evaporou-se a uva.
E eu...
Parti.
.
Tela de Heda Willem Claesz - (1594/1680)
Pintor Holandês.
.
Teresinha Oliveira - (Junho/1995)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

CHRISTINA.

  Minha amiga. 
Longe nos dias, mas paralela pressinto.  
Extensão preparada pela sorte
Distante milhas, quilômetros, anos-luz...
Minutos perto para a vontade
Que se muna de real precisão.
Mas por hora, inacessível ao toque
Ao trejeito do olhar que tudo revela
Sem necessária palavra.
Fisionomia desconhecida
Gorda ou magra, feia ou bonita
- Essas gracinhas do tempo -
Com óculos fora de moda
Talvez modernas lentes.


Minha amiga.
Nos densos momentos de alma a ruir
Lembrada não ombro de inércia, consolo
Mas catapulta.
Lógica matemática sempre útil.
Sabedoria a me conter
Razão contra minha emoção pura.
Saudade bem guardada
Em algum canto da memória, desocupado
Onde cabe um piano, um cão, uma lareira.
Xícaras de chá com rum a nos esconder do frio
Um pai, uma mãe, um irmão
Europa, histórias de guerra, estranhos temperos.


Minha amiga.
A vida nos cobra pressa
O trabalho, eficiência.
E os filhos, ah, os filhos...
Pobre de nós mulheres grávidas
Por toda a existência grávidas
Sem saber como da barriga, grilhão de mel e fel
Nos libertar, encontrar um naco de tempo sem função.
Assim seguimos nós, cada qual com seu jeito no viver escolhido
Dádivas ou açoites, não se contou ainda
Mas quem sabe...
Quando o acaso ou o desejo nos reencontrar.


Tela de Julie Y Baker Albright.


Teresinha Oliveira -(1995)

MINHA LINDA.


Ah! Minha linda.
Quanto te amo
E quanto me orgulha
Te saber assim...
Tão além e eu um pouco dentro.
Cada vez menos dentro
Tu mais além.
Me amo no mesmo quanto
Te libertas de mim
E segues além.
............................................
Teresinha Oliveira.

ESSÊNCIA


Desnudar o mistério da própria essência
Aos quatro ventos e cantos
É ato de coragem ou despudorada tolice
Ninguém sabe, nem assinou embaixo
Mas de jeito qualquer
Exige coração forte
E fraco juízo.

Tela de Beso Arbolishvili -(1955)
Pintor da Georgia.

Terê Oliva

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

ÁTOMOS DE ESTRELAS

   De duas idéias me brota a dúvida no pensamento inteiro.
   É a Natureza realmente tão pródiga que, como um ente mágico, se dispõe a satisfazer nossos desejos e a tirar do chapéu, generosamente, suas criações e criaturas para delas usufruirmos a nosso bel prazer? 
Ou é o homem, o mais tolo dos animais, que com direitos se crê a dela extrair seus dons à força?  Assim os esmaga, os mói, os assa, os ferve, os corta e recorta, os tritura e os destrói enfim.
   É a vontade do homem suprema?
   Estarão certos os teólogos e religiosos das inúmeras crenças por onde o homem se perdeu, ao afirmar que Deus criou o Universo para nosso gozo?    Servir a nós?
    Nós que através dos séculos nos banhamos no sangue da arrogância, criando nossos demônios particulares?
  Seres de alma escassa que não desvendaram nem a sombra da premissa de si mesmo?
 Nem se espantam ante a beleza dos reinos e das espécies?
   Muita pretensão e suposto domínio! A Natureza gera a si mesma, e em si mesma é. Não desperdiça, como nós, seus átomos de estrelas.
   Deixa-se aviltar, porque como velha sábia, tem paciência para vinganças frias.
 

Tela de Joanna Chrobak
'Upadek Ewy' - Óleo sobre tela - 140X170 cm. 
Pintora Polonesa Contemporânea.

Teresinha Oliveira.

POLTRONA DE TABOA.


Que jeito simpático tens. Um jeito todo teu, sem extremos de beleza ou sofisticação. Mas se és mesmo de taboa, desconfio. Talvez o vendedor tenha se enganado entre tantas fibras e trocado teu nome; mas tal não me aborrece. Depois que te olhei e gostei de ti, tanto faz quem foi tua mãe.
Prometes o conforto dos vegetais, mas também as coceiras do mato onde nascestes, pântanos e lagoas; já me contaram que és desses cantos longe.
Desculpa, mas esta lembrança é deveras pertinente. Claro que não é nenhum problema insolúvel, e quem sabe uma manta a te vestir, evite a sensação de mil formigas a passear sobre o corpo daquele que te procura, já com o cansaço a pinicar os ossos.
Outro porém surge agora. Tal qual mulher, deves exigir cuidados para não perder a beleza: nódoas de vinho de quem já treme a terceira taça, manchas de suor de algum sentante exausto - aquele que todos desconfiam ser diabético por viver pingando os incontáveis litros da água que bebe em sua insaciável sede - queimaduras dos fumantes crônicos, como eu, sua pretensa dona, ou, o perigo maior e mais assustador,  os estragos da traquinagem das crianças.
Sim, há muitas por aqui, acompanhadas por suas mães distraídas e falantes, que ao visitar a casa alheia, soltam seus pimpolhos como num campo de guerra. Só encontram paz para seus fuxicos quando seus pequenos soldados bombardeiam o território amigo.
Sinto muito, minha quase poltrona. Não tenho forças para te salvar de todos.
Pensando bem, isso não me entristece. São muitos cuidados para apenas sentar, por mais que eu te queira bem e te deseje por aqui.
Melhor sentar no chão, como os velhos sábios indígenas, que da terra sugavam sabedoria.
Quem sabe tenha sobrado um pouco para mim.
...............................................................................
Teresinha Oliveira - (Maio/2008)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

SAUDADE COM PERFUME DE CAMÉLIA

  Nas ruas de verão vejo muitas camélias enfeitando vestidos, decotes e cabelos de mulheres floreiras que perseguem a moda das flores sem nunca terem regado uma. Provavelmente desconhecerem o nome das singelas camélias de tecido que levam a passear e devem confundi-la com sua irmã rosa, a preferida.
  Duas irmãs bem diferentes, mas igualmente lindas. Uma simples, sem alardes ao se mostrar, flor criança e faceira que parece correr descalça pela relva. A outra, exuberante, que com astúcia feminina entorpece os sentidos do admirador descuidado e dissimula seus espinhos como perigo menor.  Só o sangue nos dedos o livra de seu fascínio.
  As camélias são flores calmas, sem surpresas, que me recordam minha mãe  que hoje, nos campos do Senhor cultiva suas flores pelo amor escolhidas.
  Qualquer dia vou oferecer-lhe camélias. Colocá-las aos pés de um Anjo Mensageiro e torcer para que as receba. Com sorte, talvez assim perdoe meus impacientes desamores, um pouco só que seja.
  Ela tanto as admirava que casou-se com um virginal buquê de camélias brancas, e carregou-o consigo na lembrança através das décadas de um casamento feliz. Naturais, é claro, sempre afirmava, porque na época as camélias eram corriqueiras nos vasos dos floristas e nos canteiros das esquinas.
  Se jogou fora o buquê a murchar, ou o atirou às amigas solteiras para o destino revelar quem seria a próxima noiva, não sei. Nem sei se naquele  tempo de amor festivo já existiam esses sortilégios românticos.
  O final da história do buquê é desconhecido. Ela nunca contou e eu não perguntei. Agora é tarde para essa questão, como para tantas outras...
  Se eu vir uma estrela cadente, irmã distante das flores, eu peço, sem vergonha da tolice, que no limite do meu tempo cá nesse jardim de enganos, eu espante a solidão e o medo ao reencontrar minha mãe, com seu buquê de camélias brancas nas mãos.


Tela de Dmitri I. Kiplik - (1865/1942) - Pintor Russo.
Teresinha Oliveira - (Maio/2008)

SAPATOS.

Se este sapato não for um fetiche
Capaz de explodir corações masculinos
Diga-me cá...O que é?
  Só dores na coluna
E desejo de ser a mulher
Que gostaria de se ter sido?

Teresinha Oliveira

PRIMEIROS LIVROS


    Paixão sim. Insisto na palavra - não mania, costume, hábito . A paixão pelos livros nasce sem que nos apercebamos, e depois que nela enredamos nosso espírito não há como retroceder, dizer: não, não quero mais. Com seu quinhão de loucura a paixão finca pé e dela nos tornamos súditos.
    Meu enamoramento pelos livros começou quando eu, quase menina, senti através deles as emoções que minha vida me furtava. Eu tinha pressas em crescer.
    Não houve flertes, sussurros de biblioteca, interlúdios entre livros fininhos de amores cândidos. Mergulhei direto nas 600 páginas que me compraziam, e me entristeciam por
terminarem tão rápido ante meu voraz olhar leitor.
    Foi assim que hospedei-me no "Castelo do Homem sem Alma", o Hatter's Castle, e posso dizer que seu proprietário, Mr. Cronin, se revelou um digno e inesquecível anfitrião. Com ele percorri minas de carvão e hospitais, passeei pelas charnecas, e de livro em livro cheguei à China.
    Logo a China tornou-se meu país preferido e lá voltaria muitas vezes, mas à convite de outras pessoas.
    Mr.Cronin é uma pessoa por quem sinto profunda gratidão, porque de alguma maneira me abençoou. E num bem maior, apresentou-me à Pearl Buck, de quem logo fiquei íntima.
    Nosso amor pela China nos tornou amigas inseparáveis durante meses e meses. Onde uma ia, lá estava a outra. Outras amigas tiveram ciúme, mas eu não conseguia deixar a Pearl num canto qualquer, falando sozinha.
    Dessa amizade surgiu o meu encanto pela China e seu povo, e a paixão dentro da paixão de ler. Até hoje não deixo escapar nenhum título que me conte coisas de lá. Mesmo as coisas tristes, as mortes, a falta de liberdade, a revolução...
    A jovenzinha que entrava numa livraria de Icaraí, e por lá ficava horas olhando as prateleiras sem noção do que ou quem comprar, deixando a mesada inteira, rápido cresceu. Agora conhece cientistas, reis, assassinos, filósofos, toda a fauna humana... 
É confidente de poetas, e com alguns visionários e malucos já foi até às estrelas.


       Tela de Lord Frederick Leighton - (1830/1896)
                           Pintor Inglês.


                         Teresinha Oliveira    
                                           

domingo, 13 de fevereiro de 2011

BLOG REMINISCENTIA- TENHO AMIGOS... ENXERIDA

  Toc... Toc...Posso entrar? Com Licença... Não, não se preocupe, não vou reparar, bem sei como é difícil manter a casa em ordem. Ainda mais nos dias atuais, com o tempo tão escasso e o calor derretendo nossos cérebros em gotas, afogueando as ideias e refreando as ações.
 Mas precisava visitá-la, tomar um cafezinho, (mas por favor, sem aquelas sementinhas horríveis com que você o tempera) e, já que estamos na cozinha, vamos colocar as coisas em pratos limpos.       Ciça, como se atreve a manter um romance oculto com o Oscar Wilde e não me contar?

 Afinal, fui eu quem o apresentei a você. Fui eu, sim. Já esqueceu? O Dorian estava conosco e pode confirmar. Aliás, tenho páginas e páginas grifadas e datadas que testemunham nosso primeiro encontro.  Agora surge você, de braços dados com ele, todo falante só aos seus ouvidos? Isso foi réles traição. Só perdôo se me incluires no próximo passeio e não me criticares pelos meus modos exóticos à mesa na presença dos meus livros.
Afinal, se saboreio uma suculenta manga e me escorre o sumo pelas mãos e braços , ou bebo café, ou como o espalhafatoso macarrão que esparge tomates em larga circunferência pelas páginas, culpa alguma me cabe.
São circunstâncias fortuitas. Tenho certeza que nem o Oscar, nem qualquer outro escritor se ofenderá com isso.  Tal intimidade só se revela ante grandes amigos.
Ah, se encontrar a Vanessa, agradeça-lhe pelos 200 gramas que engordei com os bolinhos. Deliciosos! Uma surpresa de farinha e ovos sob um céu de estrelinhas coloridas que desmancham açucaradas em outro céu, o da boca.
Agradeça-lhe também pelo carinho. Amor é o melhor doce que se pode ofertar! Tchau!

                                       Tela de Igor Gabar - (1871/1960) - Pintor russo.

                                            Terê Oliva                                             

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

AMPULHETA

 A sala é    pequena. Talvez o menor cômodo do casarão plantado no jardim mal cuidado, lá longe, no subúrbio da cidade.  Aí encontrei, além dos amigos amantes de música, um piano quase centenário, mais antigo talvez, pois não revela ele sua idade em nenhum entalhe de seus recônditos, tal qual mulher vaidosa que esconde as muitas estações vividas em tecidos e batons, na vã tentativa de enganar o espelho e o próprio tempo, senhor implacável de todos nós.
    Em rugas de madeira por ali foi ficando, como se não houvesse outro lugar; esquecida beleza no canto que lhe coube. Não perde a imponência nem a dignidade que a velhice lhe confere por sobreviver assim, nesse ângulo abandonado.
    Santa Cecília, que dispensou apresentações por ser velha amiga, já desbotada pelo acúmulo de bençãos ofertadas, permanece quase invisível na gravura sem olhar para nós. Em atitude de prece se ocupa com os querubins que a cercam e seu piano, repleto de rosas, que parece dedilhar em devaneios, sem a mais nada dar atenção.
    O sofá xadrez de vermelha cor me faz menina novamente, em meu quarto adolescente com quase igual sofá, onde passei noites claras lendo os livros que a cama, ciumenta, não deixava, logo me adormecendo em seus confortos.
    O cheiro é antigo, aquele cheiro que toda casa de avó tem; mescla de coisa velha e carinho. Carinho de avó tem perfume: de flor seca, de camafeu, de imagem de santo, de remédio, de jóia de ouro, de retrato de morto, de pouco tempo, de gente que vive dentro da gente. 
    As notas de um violão dominam a saleta, mas soam ilógicas ante o magnífico piano que se cala em respeito. Santa Cecília permanece ocupada com seus anjos e orações.
 Eu, sentada no sofá xadrez penso no mágico que inventou a música... Um batedor de tambor da velha África ou algum anjo entediado  com o silêncio, que afinou as cordas de sua harpa e saiu tocando pelos céus?

Tela de Gustave Leonhard de Jonghe - (1829/1893)
Pintor Belga

Teresinha Oliveira  - Setembro/1998  

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

DONA♥ARANHA


Dona Aranha, Dona Aranha!
Você nem parece bicho esperto
Aracnídeo, como na escola aprendi.
Com oito patinhas sem parar
Tece com artes de bordadeira
Teias longas e parrudas
Que lhe dão casa e comida.
Porém, se mostra muito burra
Em ficar esparramada por aqui.
Além de não comer mosca
Ainda quase se afoga
Nessa boba gota d'água
Tão fácil de nadar.

                  Terê Oliva

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

CARTA PARA ELIZABETH.


                                            Rio de janeiro, outono de 1999.
                                                Domingo de sol em abril.
                                                          Elizabeth.
     Conselhos? Evito dá-los, a qualquer um ...Nem a mim mesma, pois quando o faço não os sigo. A sabedoria grita, a criança insiste e cometo todas as tolices que a emoção impõe.
     Mas para você, que gosta de citações, escrevo esse fragmento de um poema do Mário Quintana, é algo assim : "e esses que estão por aí, atravancando meu caminho... eles passarão. Eu...passarinho."
     Passarinhe pelos seus caminhos.
     Não vá, com suas próprias mãos, procurar pedras e tralhas. Aja ao inverso. Pulverize as pedras para que se tornem grãos de areia e crie sua praia particular onde tudo é permitido, até o nu. E se desnude. Por que não? Já passaste da idade dos rubores e explicações. Mostre sua alma, seus pecados e seus dons, o melhor que há dentro de você. E espere. Tudo dará certo,afinal.
     Faça da alegria sua comparsa e desvie-se das pessoas e dos caminhos que possam fazê-la desanimar. Acreditar num jeito melhor de viver não é tolice ou utopia, é simplesmente colocar em prática certos atos e ações; como fugir da mesmice, das caras emburradas, dos chatos, daqueles que vivem com dor de cabeça, que não gostam nem do azul nem do amarelo, e se comprazem em odiar o mundo.




     Concordo que essa atitude pode parecer pretensiosa, mas assume-se a pretensão e acredita-se, e tenta-se e sofre-se, (é inevitável). Mas também se ri e se tem esperança.
     Dramas? Claro. Quem não os tem? Os de verdade e os de mentirinha...aqueles que criamos para nós mesmos, talvez para sermos amados além desse amor cotidiano que nos escapa e não satisfaz.
     Mas felicidade vira hábito, vicia. E nos torna exigentes e senhores do nosso desejo. Basta não querer o impossível, e sapo só se transforma em príncipe nos contos da Carochinha, ou quando se casa com um de verdade, um lá da Inglaterra, de Mônaco ...Mesmo assim ninguém garante que permanecerá um galante cavalheiro após as fotos para a imprensa internacional.
     Não está conseguindo se resolver sozinha? Apela! Arranja um analista, liga para um amigo e chora, diz todas as bobagens das quais se arrependerá depois, planeja vinganças infantis que nunca colocará em prática, como aquela de sumir sem deixar vestígio, (essa é clássica).
     Mas depois de lavar a alma, ponha-a no varal para secar ao sol e ao luar. Espere a tristeza evaporar e comece de novo; a vida traçará seus próprios rumos e os porá nos eixos.
                    Um beijo.
                      Tere.


                
           Tela de Albert Edelfelt - (1854/1905)
                          Pintor Finlandês.

                      
      Carta para Elizabeth Motta- Rio de Janeiro.


                                                             








                          

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

FETICHE

Eu
Pescoço
Você
Dentes
Drácula Drácula Drácula Drácula Drácula
Drácula Drácula Drácula Drácula
Drácula Drácula
Drácula.
Nós
Orgasmo.
...................................................................
Teresinha Oliveira

JANELA

 Eu sinto a alma pequena, parada
 O amor cheirando feito massa de pão
 Forno quente, desperdiçado fermento.

 Eu vejo crianças na rua brincando num pote de mel
 As pretas na beira do rio
 Lavando as roupas sem mãos, sem sabão.

 Eu vejo pastéis sendo vendidos
 Enfeitados com a poeira do chão, na esquina da rua sem fim
 O remorso na pedra encostado
 A esperança de pé, cabra-cega fugindo
 Para trás de todo lugar.

 Eu sinto tonteiras, eu sinto vertigem
 Na escada que sobe no torto do olhar.
 Recado de Deus, grafite em pó.
 O sexo nos poros de Deus
 Que se ri das crias como eu
 Que não conseguem decifrar.

 Eu vejo ninfas e ouço línguas brincando canções
 Peixes e tubarões me levam para o mar.
 Viro concha, viro ostra
 Pérola oculta para ao mergulhador ofertar.
 Pedaços de céu que me brotam dos seios
 Fecundos seios para alimentar multidões.

 Eu sinto a morte caminhando depressa
 Bem mais do que eu
 Gigantes de vento navegam sem velas no ar
 Arrastam meu tempo
 Amassam o lençol
 Calafrios de frio no meu coração.
 Sou poeta que cansou de olhar.

Tela de Auguste Toulmouche - (1829/1890)
Pintor Francês

Teresinha Oliveira

JOGO DA VELHA


   Encontrei esse "Jogo da Velha" em alguma das muitas revistas antigas que vou empilhando  para ler depois, num pedaço de tempo à toa.
   Foi lembrança imediata, tal qual raio em dia de tempestade, e o rosto da Lyli faiscou no meu cérebro.
   Esse é o jogo da velha perfeito para nós jogarmos, ou ela, já que minhas chances de vitória se resumem a cinco por cento. Não abro mão desse réles percentual, pois mesmo com a mínima derrota ela aprende que não se pode ganhar todas - educação de avó é assim.
   É tão bom vê-la feliz com seu trio de cruzes em linha, exibindo o papel rabiscado como se fosse uma medalha olímpica que não ouso disputar. O destino dos meus círculos é como o meu, desencontrado, e já habituei-me a isso.
   Esse jogo infantil em que gastamos quase hora sentadas, descansa meus músculos e minha paciência de brincadeiras outras, e mesmo perder à exaustão torna-se divertido.
   Qualquer dia ela vai contar a todos que esse é seu jogo preferido, como todos os seus outros brinquedos são classificados, principalmente na hora da doação ou empréstimo.
 Tal argumento e seu olhar enviezado logo justificam a recusa, e jogam por terra minhas tentativas de enfatizar o valor da generosidade e do desapego.
 Se três cruzes e um muxoxo me vencem tão facilmente, imagino o que vem por aí.

                                    Teresinha Oliveira - Julho/2010

Terê Oliva - http://tereoliva.blogspot.com.br

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

LEOA DE UNHA QUEBRADA.




     Se as estrelas do céu me regem, por que me forjaram fraca e de carne mole
     Como minha constelação contradiz? 
  Por que  desvio dos algozes, dos canalhas  
Abdico  da doce vingança  que saciaria meu hálito seco 
Desataria meu estômago em nó ? 

     Sou felina, filha do calor
Nascida nas planícies sem solução de uma África branca.
Ainda assim prefiro o conforto das almofadas e o pires de leite
Que qualquer fome prudente sacia.
Vivo e gozo sozinha na maciez de uma frondosa tristeza 
Que em sua sombra acolhe o ser que do sol se esquiva 
Por temer a luz de novos desatinos.

      Finjo rugir, mas ronrono na surdina por desprezar o barulho das lutas. 

Me paralisa a violência e me estanca o sangue essas quinquilharias do viver.

                           
                                                   Tela de Michael Parkes
                                                             The Last Lion 

                                                        Teresinha Oliveira


                                                     Terê Oliva - http://tereolivablogspot.com.br                

                                                       



quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

REENCONTRO COM TEXTOS QUASE PERDIDOS II


      Muitas vezes desejo ser planta!
     Há muito abandonei a mania, quase infantil, de escolher o bicho que seria se pudesse sê-lo. Deixei os golfinhos no mar, os tigres em sua solidão nas florestas e os pássaros no céu.
      Pesei o silêncio e a imobilidade do vegetal. Da rainha, alta e cheia de braços para os abraços longos quando a alma voa. Árvore velha que se transforma em lembrança de infância, em pintura a óleo, em motivo de poesia.
     Como o abacateiro lá na infância do meu quintal, onde eu subia célere para fugir dos maus humores de minha mãe. 
Lá no alto ficava horas, comendo pão e frutas que meu irmão jogava, amarradas na linha certeira da sua marimba.     
   Por entre seus galhos descobri as trilhas das formigas, o cheiro dos percevejos e a ardência dos arranhões, mas tudo isso me distraía enquanto esperava a raiva de minha mãe amainar ou, quando a arte havia sido grande e o perdão menor, a chegada benevolente de meu pai que logo sorria e me ajudava a descer.
     Não sinto precisão de flores, elas são ligeiras, apesar da beleza e perfume. Nunca fui vaidosa e dispenso tais atributos num cair de folhas.  Desejo sim, raízes fortes, daquelas que se espalham acima do conforto da terra, agarram-se em rochas, muros, e no frenesi em busca de vida, até em si mesma, tronco mãe de toda a árvore.
     Anseio ser lembrança! Dos namorados ingênuos que acreditam ser o amor tão duradouro quanto o coração que gravam no tronco promessa, ou dos   andarilhos costumeiros nas trilhas da minha imobilidade, que ali descansam e aliviam os pés doídos na ternura da sombra. Ou até quem sabe um poeta...
     Ah! Ter um amigo poeta. Secretaria pegajosa seiva em cada veio para mantê-lo  perto, e com a abundância de meus frutos  amenizaria a fome que lhe ronda o coração, pois é assim, sempre esfomeado o coração de todo poeta.
     Venha meu querido amigo, quero lhe mostrar o erotismo do sono e da escuridão. Repouse sob mim das agruras desta vida louca, dos desamores, da penúria, da tristeza...Retire a máscara da exaustão que lhe impõe a pena e durma no frescor das cores da estação.
     Assim, minha imobilidade bendita, sem descaminhos por não ter percurso, transformar-se-ia em movimento, o silêncio em música. O tempo esgotaria sua pressa diante da paciência com que a Natureza gera essas irmãs de sangue-seiva, tão antigas quanto o homem neste planeta exangue.
     Eu finalmente, liberta da carga humana, poderia esperar, semente, a germinação de um sonho.


          Tela de Sophie Anderson - (1823/1903)
                   Pintora Francesa.

                  Terê Oliva

POLTRONA.



Esta poltrona não é um objeto
Um móvel com sina e canto pensado.
Ela é, antes de confortável desejo
Um estado de espírito.
Guardiã acetinada das horas
Horas noturnas de livros e uísque.

Teresinha Oliveira.

REENCONTRO COM TEXTOS QUASE PERDIDOS I


     Quero poucas coisas nessa vida de Meu Deus e do diabo; e por querê-las poucas quero-as muito. E de tão poucas que são, quero as mais intensas e difíceis de conquistar.
     As coisas coisa pouco me faltam, e o mínimo delas me satisfaz. A qualidade não importa, desde que cumpra sua função de utilidade. E se o belo é belo e me transborda o espírito, o meu se alegra em observá-lo, simples prazer ao percebê-lo, sem precisões de possuí-lo.
     As emoções são solitárias e bastam a si mesmas. Ao partilhá-las, muitas vezes não encontramos eco no outro, apenas uma leve brisa ante o vendaval que é apenas nosso.
     Somente a Beleza provoca o êxtase comum. E a Arte. Mas a arte se basta, não precisa de nada além de si mesma.
     O cerne do desejo cabe a cada um, e o meu que cá escrevo, é a felicidade dos que amo. Não a euforia do riso, corriqueira e vã esperança que lança cordas para o depois; mas a possível plenitude onde cada um possa se agarrar.
     Apesar da aparente generosidade, este é um bem-querer egoísta. Através dos vãos do amor clamo por minha liberdade e solidão. 
   Esqueçam de mim e sejam plenos. Mandem-me lembranças em lindos cartões com flores e gravuras dos meus pintores preferidos, poesias sem rimas, escritas com próprio punho e mais qualquer coisa boba que queiram de si me dar.
     Assim, sua fortaleza se tornará minha, sua alegria sorrirá em mim, e seu voo me permitirá percorrer sem amarras outras, os caminhos para dentro de mim mesma.
     Os ocultos, indecifráveis, que minha consciência nos seus porões  escondeu.


                       Tela de Franz Mortelmans - (1865/1936)
                                        Pintor Belga.
                            
                                Teresinha Oliveira.
  

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

PROLIXA

      Gostaria de ser amiga das frases curtas, das palavras dissílabas, do pouco que tudo diz. Mas assim não sou. Amo as polissílabas, que de mãos dadas se esticam como tentáculos de polvo à procura de presas - minhas idéias - e vão narrando o que desejo dizer.
      Se me explico ou me perco nas escuras veredas de mim para o outro, realmente não sei. Mas só através da longitude me encontro escritora.

                                                      Teresinha Oliveira.