quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

REENCONTRO COM TEXTOS QUASE PERDIDOS II


      Muitas vezes desejo ser planta!
     Há muito abandonei a mania, quase infantil, de escolher o bicho que seria se pudesse sê-lo. Deixei os golfinhos no mar, os tigres em sua solidão nas florestas e os pássaros no céu.
      Pesei o silêncio e a imobilidade do vegetal. Da rainha, alta e cheia de braços para os abraços longos quando a alma voa. Árvore velha que se transforma em lembrança de infância, em pintura a óleo, em motivo de poesia.
     Como o abacateiro lá na infância do meu quintal, onde eu subia célere para fugir dos maus humores de minha mãe. 
Lá no alto ficava horas, comendo pão e frutas que meu irmão jogava, amarradas na linha certeira da sua marimba.     
   Por entre seus galhos descobri as trilhas das formigas, o cheiro dos percevejos e a ardência dos arranhões, mas tudo isso me distraía enquanto esperava a raiva de minha mãe amainar ou, quando a arte havia sido grande e o perdão menor, a chegada benevolente de meu pai que logo sorria e me ajudava a descer.
     Não sinto precisão de flores, elas são ligeiras, apesar da beleza e perfume. Nunca fui vaidosa e dispenso tais atributos num cair de folhas.  Desejo sim, raízes fortes, daquelas que se espalham acima do conforto da terra, agarram-se em rochas, muros, e no frenesi em busca de vida, até em si mesma, tronco mãe de toda a árvore.
     Anseio ser lembrança! Dos namorados ingênuos que acreditam ser o amor tão duradouro quanto o coração que gravam no tronco promessa, ou dos   andarilhos costumeiros nas trilhas da minha imobilidade, que ali descansam e aliviam os pés doídos na ternura da sombra. Ou até quem sabe um poeta...
     Ah! Ter um amigo poeta. Secretaria pegajosa seiva em cada veio para mantê-lo  perto, e com a abundância de meus frutos  amenizaria a fome que lhe ronda o coração, pois é assim, sempre esfomeado o coração de todo poeta.
     Venha meu querido amigo, quero lhe mostrar o erotismo do sono e da escuridão. Repouse sob mim das agruras desta vida louca, dos desamores, da penúria, da tristeza...Retire a máscara da exaustão que lhe impõe a pena e durma no frescor das cores da estação.
     Assim, minha imobilidade bendita, sem descaminhos por não ter percurso, transformar-se-ia em movimento, o silêncio em música. O tempo esgotaria sua pressa diante da paciência com que a Natureza gera essas irmãs de sangue-seiva, tão antigas quanto o homem neste planeta exangue.
     Eu finalmente, liberta da carga humana, poderia esperar, semente, a germinação de um sonho.


          Tela de Sophie Anderson - (1823/1903)
                   Pintora Francesa.

                  Terê Oliva

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