segunda-feira, 30 de julho de 2012

AMOR É CHUVA

Tela de Ivanovich Shishkin - (1832/1898)
Pintor Russo.


Amor é Chuva.
Não se sabe como chegará, forte ou miúda
Ou quando ou nunca.
Muitas vezes ameaça, porém murcha
Dentro de nuvem vazia antes mesmo de ser água.


Outras, cai gota a gota, espaço de palmo  

Arrastando como saco velhoA esperança para seus quartos de ócio.
Dúvidas de guarda-chuvas nesse cai não cai
Amor verdadeiro ou falso.

Porém, como o reverso existe no outro lado do verso
Os dias de céus rasgados 
Raios, tempestades, enxurradas e trovões
Encharcam com sentimento bom, amor na água de céu lavado
O felizardo que sob esse aguaceiro dança.


Tela de Gaetano Bellei - (1857/1922)
Pintor Italiano.


Terê Oliva.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

VASSOURA.

Tela de William Redmore Bigg - (1755/1828)
Pintor Inglês.


A vassoura encostada na parede 
Com um sorriso sarcástico me observa.
Não oculta seu desprezo por meus olhos de papel
E meus dedos de grafite.
Como não fazê-lo se eu mesma o faço
Em cada grão de pó que desperdicei 
Sob o tapete de uma vida miserável?


Varri chão de cimento bruto
Varri ciscalhos na beira dos rios de sangue aguado 
De ego capenga, de corpo mole.
Varri para longe os talentos imóveis.


Só não varri as pedras que prenderam 
Minha imaginação, meu gozo
Entre os cabelos de piaçaba da vassoura encostada
No muro do quintal.

Tela de George Dunlop Leslie - (1835/1921)
Pintor Inglês.


Terê Oliva.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

OURO PARA AS FORMIGAS.

Tela de Adolphe Jourdan Conrad Beckmann - (1846/1902)
Pintor Alemão.


Jogar a aliança no mato, ouro para sempre perdido
Pão para as formigas, lástima na razão fria.
Rasgar papel, picar promessas e imagens
Com dedos rijos na pujança da loucura.
Como não evapora no ar, porque papel e lembrança fica
No gume da língua de fogo se queima, ou tentar assim se faz.


Lembrança quase mesmo não se tem.
Lembrança boa, das gordas, que lancetam as feridas da vida
De uso comum e amorosos planos.
Só as asmáticas permanecem arfando
Sob o teto onde se deita por não ter onde ir
Com as crianças sob as saias, assustadas entre as coxas.


Se o sim pudesse ser convertido em não redondo
No atrás do tempo em grãos desperdiçados...
Porém, o 'se' é a terra dos remorsos 
Dos equivocados que não expõem o peito
À sangria da própria alma em pânico
Frente aos caminhos dos quais foi banida.


Resta ao ser capenga, viciado no próprio drama
Atar os nós dos cadarços e seguir
O som do carrilhão que ao longe anuncia boas novas.

Tela de Giulio A. Rosati - (1858/1917)
Pintor Italiano.


Terê Oliva.

terça-feira, 17 de julho de 2012

REJEITADAS PALAVRAS

Tela de Alex de Andreis - (1871/1939)
Pintor Belga.

Mania moderna de economizar palavra. Escritor,poeta, contador de histórias e casos...  Ninguém quer gastar a coitada que veio trazida nas ondas do mar, bebeu cicuta, suou no deserto, ganhou letra, perdeu acento, fugiu antes de ser comida pelos canibais, gastou o w e o y nas rochas da viagem.
 Metamorfoseou-se -esse verbo existe?- ao gosto dos irmãos de além-mar, brancos e negros, ao nosso também, tropicais pobres de ouro e cultura. 
Algumas sofreram abuso nas mão dos gramáticos. Perderam o trema que enrugou, ficou velho e sem atrativos, e foi assim, sem direito à pensão, jogado na sarjeta.
Enlouqueceram o hífen com as novas regras da ditadura.
Tira ou põe, põe ou tira? Tira, põe, tira, põe...Sexo gramatical que não leva ninguém ao gozo. Só ao dicionário, que como pai das meninas, também não chegou ainda à decisão final. Uma hora diz sim, outra diz não.
Antes eram bonitas, bem vestidas como para ir à missa de domingo.  Agora, na fila indiana do dicionário são encaradas por aqueles que mais deveriam amá-las como excedentes, intrusas.
Cuidado com os adjetivos, diz a placa fincada à margem das areias da poesia. Ele é atraente e facilmente seduz entre os versos e transversos dessas trilhas, porém ao enfeitar qualquer eira e beira, revelará ao mundo seu talento inexistente, parco, escasso,acanhado, exíguo, limitado, magro...
Palavras, palavras
Ninguém as quer porque alargam o texto, engordam o olho do leitor que no arfar da obesidade preguiçosa desiste no percurso das páginas, sem observar a paisagem do caminho.
Que haja flor, que haja regato com peixes e sapos. Que haja lama, folha de árvore, tornozelo rachado, banho de amantes nus, cópulas à beira d'água, sangue, formiga que morde, lágrima, morte, mãos, assassinatos, e tudo mais além da imaginação.
É aí que está nossa 'imagem e semelhança' divina. Criadores que não se esgotam em sete dias.

Ninguém vai me rechear o espírito com três versos curtos ou me saciar com um prematuro ponto final.
Eu, leitora ávida, quero saber entre vírgulas, a completude da história.
Tela de Georges Croegaert - (1848/1923)
Pintor Belga.

Terê Oliva

quinta-feira, 12 de julho de 2012

ELIZABETH ♥

Tela de Martin Johnson Head - (1819/1901)
Pintor Americano.



Elizabeth morreu.


Morreu frágil e leve tal qual passarinho
Que para distante parte ao perceber
Que ao redor nada mais faz sorrir.
Não morreu de solidão apesar de só.
Sozinha como quase nunca se viu.

Sem pai, sem mãe, sem irmão
 Sem primo de grau incontável.
Sem núpcias, sem prole, sem amante
Sem gato, sem cachorro, sem bicho.
 Sem bom-dia, sem vizinho.


Morreu de desistência
Afogada numa dose de uísque.

Tela de Heidi Willis
Pintora Australiana Contemporânea.


Terê Oliva.

terça-feira, 10 de julho de 2012

BOLINHA DE SABÃO

Tela de Charles Joshua Chaplin - (1825/1891)
Pintor Inglês.


A ingenuidade da bolinha de sabão me transporta
A outros tempos, outros mundos
Onde e quando se sorria com olhos e  dentes.

E se caminhava quarteirões descalça sem dor no pé
Praia logo ali
Sem medo de vidro, muito menos topada no dedão. 

Onde e quando havia portas falantes ao rés da calçada 
Bom-dia, menina bonita. Como vai pai e mãe?
Cuidado com o mar! Mar é traiçoeiro...

Nas janelas translúcidas da bolinha não se vê ainda tristezas, dor de amor
Nem no sabão, onde o futuro escorrega e se desmancha
Tal qual espuma na areia.


Tela de Valentine Cameron Prinsep - (1838/1904)
Pintor Britânico - (Índia)

Terê Oliva






quinta-feira, 5 de julho de 2012

GIRINOS.

Tela de Jeffrey T. Larson - (1962)
Pintor Americano Contemporâneo.


O restaurante no enorme casarão fica ao lado da escola da  menina, dona desse história e exímia pescadora de girinos; que não são girinos, ou são. Sabe-se lá...
Com jeito de peixe são tratados como tal. Tais peixinhos minúsculos que, quando ela não está armada com latas ou copos descartáveis, tentam viver em paz no pequeno lago que dá um ar bucólico ao almoço do vez em quando, a faz perder o apetite.
Os pobres, condenados à morte em vidros de maionese, garrafas de refrigerante e afins, mal duram algumas horas. Mas ela não desiste com   esperança de vê-los crescer dourados.
Este preâmbulo se faz necessário, para tornar crível as consequências dessas pescarias aparentemente inocentes.
Avó é criatura tola e facilmente seduzida, suas ordens são de elástico. O "não" tem açúcar, e neto nele se lambuza e lambe os dedos.
Já disso sabendo há muito, e usando tais regalias de amor aos extremos, a menina cismou de pintar o muro da casa da avó com água. Menos mal, pois o mesmo vive colorido com guache, que afirmam sair facilmente, mas creiam,não sai !!! Nem tempestade dilui as muitas mãozinhas coloridas.
A tarde corre numa tranquilidade inesperada, quando o motivo de tanta paz se revela. A água-tinta é água mineral. Com o galão de litros e mais litros quase vazio a avó pede explicação, já sabendo que receberá o pedido de desculpas  com seu  jeito de criança injustiçada que não compreende tanto rebuliço por nada.
À noite a paz voltou ao reino. Sozinha. Filme ou livro? Sempre uma decisão difícil. 

Com sede e preguiça de ir à cozinha, ao ver uma garrafa de água sobre a mesa da sala, imaginou ser a água das pinturas murais da neta. Sem pestanejar, bebeu um generoso gole.
Na manhã seguinte, com óculos, pegou a garrafa para jogá-la no lixo. De imediato viu que em sua superfície turva boiava um 'girino'.

 Apenas e somente um, dos tantos.
Tela de Vladimir Kush - (1965)
Pintor Russo Contemporâneo.


* Baseado em um caso real !

Terê Oliva.
http://tereoliva.blogspot.com.br


quarta-feira, 4 de julho de 2012

MESA DE MADEIRA.

Tela de Luis Egidio Meléndez - (1716/1780)
Pintor Espanhol.


No primeiro café de um dia frio e sem ambição
Escuto com os ouvidos tinindo
As histórias que a madeira da mesa velha me conta. 
São histórias tão antigas quanto ela
Guardadas em cada prego, em cada veio
Na paciência que o tempo acumula
Somente para me segredar com objetivo obscuro
Que no século de usança
Já foi festa de casamento, berço
Aniversário de velho e moço
Já foi cama de defunto.

Tela de Micha Arkhipoff - (1963)
Pintor Russo Contemporâneo.


Terê Oliva.

terça-feira, 3 de julho de 2012

MULHERES CARIOCAS ♀ MARIA DO PARTO.

Maria do Parto Nascimento dos Santos não queria luz. Depois da luz recusou o ar. Custou a nascer, protesto mudo  contra o nome que se aproximava. O médico, ou quase médico, do hospital público onde foi parar ainda dentro da barriga da mãe, ao arrancá-la de lá, em histeria ante seu silêncio não poupou força. O tapa, não um, nem dois, mas três, recrudesciam em força equivalente ao pânico do suarento doutor.
Seu choro foi mais que um choro, foi grito. Depois que começou percebeu que era bom gritar e não mais parou. Gritava noite dia, enlouquecendo os pais, as visitas que logo se iam, as tias velhas que ensinavam remedinhos e simpatias, ao cachorro da casa que também dela fugia para o silêncio amadeirado de sua casinha no fundo do quintal.
Ainda escorregava de suas pestanas as lágrimas do nascer quando visitou, pela primeira vez, a igreja da Nossa Senhora que lhe deu nome.
Deu não, pois Nossa Senhora não dá nome a ninguém. Já tem trabalho de sobra há fazer nesse mundo de gente estropiada e sofrida. Mas sabendo disso ou não, batizou Maria do Parto que seria Helena antes de revelar a rude personalidade.

Promessa feita, promessa cumprida nas costas da menina, jovem, mulher, de nome próprio odiado, que era arrastada todos os anos pela mãe, enquanto a mesma teve forças, pelas ruas da cidade para rezar na igreja da madrinha. Agradecer pela vida e pela garganta quieta.
Tentou apelidos que não deram certo, não se fixavam na memória de ninguém porque como mãe chama o povo repete e. ela nos arroubos de sua promessa vez ou outra ainda cortava o Maria. 
Para esconder o nome sob um tapete, estudou. Tirou diploma, estudou mais. Tirou outro. Fez ginástica, plástica, escovou o cabelo com formol, colocou peito e tirou barriga. Depois disso tudo pronto comprou carro e apartamento perto do mar. Até namorado conquistou.
Entretanto, o nome escapava na poeira do tapete cada vez que o escrevia ou era por ele chamada. Tolice, mania, exagero, todos diziam. Para ela se tornou obsessão. Queria ser a Helena que na realidade era. Tinha cara de Helena, corpo de Helena, dirigia, morava e até beijava como Helena.
Entregou sua causa à Justiça. Desistiu da viagem e pagou o processo, porém o juiz católico de fé cega e carolices não outorgou sua causa.
Maria que não era Maria, era Helena, carregaria o próprio Parto em gritos pela vida afora.
Nossa Senhora lá no céu, também chorou.



Telas de Arunas Rutkus - (1987)
Pintor Lituano Contemporâneo.

Terê Oliva.
http://tereoliva.blogspot.com.br