quarta-feira, 31 de agosto de 2011

SEUS SEIOS

Theodora encontrou a amiga na adega dos semanais queijos e vinhos.
Estava ela triste, cabisbaixa, a olhar sem fundo para a marina que enfeitava a parede, como se tivesse partido no barco e mirasse o mar de seu convés quebrado.
Bebia mais o pensamento que o vinho. Não falava e pouco ouvia, como se a semana não tivesse gastado seus dias com novidades e assuntos tantos.
Não ria seu riso barulhento, soltando o som aos ventos como pássaro que parte, e deixa eco de alegria como rastro para ser seguido pelos que a cercam.
Não é nada, afirmava para mim, amiga tão antiga quanto a infância. Não é nada...
Você está se preocupando à toa. Não é nada... As crianças estão bem, Ricardo trabalhando muito. Não é nada...
Depois de tanta hesitação, olhares perdidos no mar da parede e risos engaiolados, confessou sem graça que Ricardo não mais a achava bonita, que tinha mudado, e essas coisas todas que dizem as mulheres desamadas.
O Ricardo? Ele adora você e os meninos, e mais blá-blá-blá; reconheci e enumerei as qualidades do marido de décadas.
O vinho esquentava nas taças.
 Ao redor das lágrimas contou-me que, sempre perguntara a Ricardo qual a parte do seu corpo que ele mais gostava? 'Seus seios', respondia-lhe sem pestanejar.
Seus seios foram assim, resposta e admiração na conta dos anos.
Na noite anterior repetiu a pergunta, esperando que por esse caminho as horas de amor começassem, mas estancou ao ouvir: 'suas mãos.'

Tela de Sarah Goodbridge Goodric - (1788/1853)
Pintora Americana.

Terê Oliva


O DIREITO DE SER BOBO

Sou alegre e quase bonita, de alma jovem porém sensata.
Espirituosa e sempre pronta para os prazeres da vida
Em cada canto onde ele se esconda.
Em alhures também se goza e se ri.

Não sei lidar com computadores, me enervam modernas tralhas. 
Mal sei ligar minha máquina de lavar roupas e mandei às favas o celular
Que tudo fazia, até novela que não assisto passava
Contudo falar e escutar que é bom, lá isso não fazia.
Mas sou íntima da Cecilia Meireles, do Fernando Pessoa e outros mais por aí.
Depois que descobri que Truffaut não era um doce de chocolate
Me apaixonei pelo cinema francês.
Nacional nem sempre gosto, falta enredo e produção.

Não falo inglês, e escorrego no meu português.
Ainda mais agora que, sem nada de útil a fazer, os gramáticos
Jogaram no lixo a linda trema, alguns hífens e acentos
Falando de ditongos e paroxítonas como se todos lembrassem o que é.

Também não sei ganhar dinheiro, logo,  gastar também não posso.
Todavia, divirto-me com pouco e da vaidade me desfaço sem penar
Já que odeio lojas e roupas novas; experimentá-las é um tormento.
Gosto das velhas, que como bom amante,  já se moldaram ao meu corpo.

Sei amar como poucos e leio nos olhos e no vento o porvir de qualquer um
Meio bruxa, meio fada desengonçada no fundo de mim.
Tola criatura, que em sua poltrona sentada, cercada de livros e cadernos
No seu pensamento sem freio, escreve poemas bobos assim.


Obra de Celine Veilhan
Ilustradora Francesa Contemporânea.

Terê Oliva


terça-feira, 30 de agosto de 2011

ENIGMA

A palavra é um enigma
Com intrínseca magia que em si mesma esconde
A essência de ser ela e não outra.

Veio rolando de povo em povo, ganhando letra, perdendo acento
Subiu monte, cruzou mar, e nas línguas das gentes ficou pronta
Assim pronta ficou bonita, se não tanto, disso ninguém tem culpa
O feio também tem nome e necessário foi citá-lo.

Tantas nasceram e se reproduziram sem controle, prole sem dono
 Que um sábio bondoso que amava a cada uma
Mesmo as desgraçadas, as nojentas, as inexequíveis, as puídas e imundas
Guardou-as em um livro grosso.

Apesar de tanto apuro até hoje não se explica   
Poucos filósofos e poetas nisso pensam
Por que caranguejo não é formiga 
E o amor cismou de rimar com dor ?

Tela de Alexei Antonov - (1957)
Pintor Russo Contemporâneo.

Terê Oliva
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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

CAMINHO D'ÁGUA

Quero ir.
Com malas e cuias. 
Gaivota que voa em firmamento de úmida textura
  Delfim que mergulha, entre azul e verde do oceano sem pé.
Para onde os pássaros não contaram, nem peixe 
Nenhum bicho marinho sequer sussurrou.

Alma em velas 
Aos ventos da Rosa desfraldo.
Navio, fragata, veleiro...
Sigo rastro de cometa no céu.
Giro mundo, atravesso mar e pedra 
Perco-me no atlas das ondas em tropel.

Circundo atóis onde desterrados habitam 
Cruzo com barcos de desconhecidas bandeiras.
Cadáveres de afogados não me assustam 
Nem aos hipocampos que ao redor deles dançam.
Lado a lado navego com o cardume de atuns prateados 
Cujo brilho seduz e promete destino.

Fecho escotilhas e no horizonte ao longe
Diviso sereias que convidam:
Vem!
Na reta desapareço, nos círculos d'água evaporo.
   
Quem não sabe onde ir não reconhece o chegar
Por isso sigo, infinda.

Tela de John Henry Frederick Bacon - (1839/1912)
Pintor Americano.

Terê Oliva



quinta-feira, 25 de agosto de 2011

NOVAMENTE POESIA

Poesia...
Dói nos dentes
Arranha a alma e dá calo no dedo.

Tela de Kenneth Hayes Miller - (1876/1952)
Pintor Americano

Terê Oliva
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BATISMO

Meu nome seria Florbela.
De Flor, flora, floral, florista
Floresta, floreio, florido
Floração, floreado, flóculo, florete 
Se eu pudesse me batizar
Nas águas que emanam das camas
Em meu renascer.

Tela em acrílico de Danny McBride - (1951)
Pintor e Músico Canadense Contemporâneo.

Teresinha Oliveira/1999

ALMA MOLE

É estranho ficar assim
Alma mole
Feito gente feliz.

Muito estranho...
Flor, passarinho, pieguice sem rubor.
Crer no destino
Pelo simples fato de estar assim.
Alma mole
Feito gente feliz.

Tela de Daniel Ridgway Knight - (1839/1924)
Pintor Americano.

Teresinha Oliveira

O LACRE VERMELHO


Ela ganhou um presente lá da Itália, mais especificamente da papelaria  numa travessa estreita da velha Roma.
A etiqueta com o nome da loja -Papiro- já sugeria bom-gosto e acerto.
Qualquer objeto de uma loja com esse nome é seta no alvo.
Adora papéis, lápis, cadernos e todas as miudezas que compõem o mundo das papelarias. Ainda mais de uma papelaria romana.
Da mesma amiga que vive passeando pelas cidades do mundo, já ganhara uma caixa com lápis de grafites variados, de outra vez foram os envelopes, elegantíssimos, que realmente fechavam ao serem lambidos, coisa que nunca crera possível. Lá de Florença vieram papéis de carta e cartões, bordados com a padronagem florida da cidade. Jamais soubera que Florença era uma cidade estampada.
Mas o que realmente fez sucesso estrondoso foram os cilindros de cera vermelha para serem usados como lacre. Num arroubo de sorte, o estojo continha também um elegante carimbo com a inicial de seu nome para ao lacre derretido dar veracidade.
Guardou com carinho para correspondências especiais, mas não tão bem guardado foi porque sua neta que também ama os papéis e afins, logo o descobriu, e como toda criança inteligente, encontrou utilidade para ele.
Primeiro foram as inofensivas cartinhas declarando amor para a mãe e o pai, porém quando sua imaginação voou para outros reinos e tempos, onde monarcas lacravam suas mensagens, a confusão se formou.
Mesmo sem saber escrever direito, duas cartas rabiscou e lacrou, queimando as pontas dos dedos apesar de todo aviso, e as colocou nas caixas de correios das duas melhores amiguinhas que na vizinhança moravam. 
Uma como o príncipe Jean de França, chamando a Mariazinha para um baile de máscaras. Outra, do príncipe Xu-Liu, agora imaginando-se na China, convidando  Aninha para um passeio pela pracinha do bairro.
Cartas devidamente lacradas com o borrão de cera vermelha, a inicial do nome autenticando o lacre e a majestosa procedência.
Com a Mariazinha e o príncipe Jean não houve problema. Aliás, qualquer um perceberia pela letra infantil e os erros de português, tratar-se de uma brincadeira de criança. Criança esperta, ouvinte e leitora de muitos livrinhos, pois sozinha criou tal enredo e personagens.
Porém o príncipe Xu-Liu foi levado a sério e confundido com um sequestrador pela mãe da Aninha, espectadora costumaz dos programas de TV que sugam a miséria humana até a última gota de sangue. Assaltos, assassinatos, latrocínios...
O lacre garantia a possibilidade do criminoso existir de verdade, e motivo de atração para ingênuas criancinhas.
Assustada, dividiu o susto com a vizinhança e outras mães do condomínio. Foi um fuzuê generalizado. Alguém disse que era bobagem, outro, exagero, mais um que era inteligente, caiu na gargalhada e saiu de fininho dessa surreal tagarelice.
A mãe da Xu-Liu ao se dar conta de tamanha confusão ficou rubra de vergonha e nada aclarou. Isso logo passa, daqui a pouco nem se lembrarão mais disso, essa mulher maluca vai esquecer o assunto... Mas não esqueceu.  
Até o príncipe Xu-Liu se apresentar a todos e mostrar os dedinhos queimados, parte da rua permaneceu em polvorosa.



Tela de Jean Carolus - (1814/1897)
Pintor Belga

Terê Oliva
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terça-feira, 23 de agosto de 2011

A ESTIRPE DO DRAGÃO

A 'Estirpe' foi um dos primeiríssimos livros da minha vida, talvez o terceiro ou quarto. Infelizmente, com certeza, só recordo da minha estréia com o Cronin em 'O Castelo do Homem sem Alma'.
Claro que no colégio li os obrigatórios de sempre, mas não fazem parte da minha memória literária.
A 'Estirpe do Dragão' é uma lembrança querida; da garota que entrava numa grande livraria, sozinha, e ficava horas por lá, olhando as prateleiras transbordantes de títulos, sem saber o que comprar com todo o pouco dinheiro que juntara, pedindo a pai, a mãe ou ganhando nas visitas da avó.
 Mesada ainda não existia.
Niterói, Icaraí, Rua Gavião Peixoto. 
Lembro-me nitidamente, até dos olhares enviesados do dono que não me deixava entrar descalça, eu vindo da praia. Ou implicava com minha inseparável bicicleta, uma Monark vermelha, que eu pedia para deixar num cantinho da loja.
Escolhi 'A Estirpe' pela capa, vermelha e amarela, chamativo contraste com homens chineses sentados a me olharem indiferentes.
Na época eu não sabia que meu signo chinês era dragão, aliás, nem sabia que existia horóscopo chinês. Fui procurar o significado de 'estirpe' no dicionário assim que cheguei em casa, e para sempre me apaixonei pela palavra e pelo livro.
Para uma jovenzinha que morava na beira do mar, a China era um lugar tão desconhecido e distante quanto a lua.
Acertei na mosca, ou como diriam os chineses - depois de tantos livros sobre a China, já conheço um mínimo - "os deuses dos meus ancestrais guiaram meus olhos e meu coração."
Atração imediata por Lao-Tan, Jade, Lao-Er, Pansio e tantas outras personagens das quais, até hoje, recordo personalidade e destino.
Pearl Buck, que o escreveu e na China viveu metade de sua vida, é uma pessoa que muito amo. Levou-me a passear pelas aldeias chinesas, perdidas nas montanhas e vales de um país imenso, que nem seu próprio povo conseguia dimensionar.
Conheci seus deuses- os generosos e os cruéis que se devia temer por invejarem e destruírem a felicidade dos mortais- suas festas, sua culinária, seus noivados e casamentos, sua estrutura familiar, suas tradições...
Vivi em meio a esse povo os dias da vida simples, de plantio e colheita, de fartura e fome, de nascimento e morte, de guerra... 
Vem daí a minha paixão pela China e sua cultura milenar, e essa mania dentro da mania de ler, que não deixa escapar nenhum título que me conte coisas de lá.

Tela de Liu Yi - (1958)
Pintor Chinês Contemporâneo.

Teresinha Oliveira 

ENTRE TANTOS FERNANDOS ESCOLHO O BERNARDO

,
221. " Tenho sido um sonhador irônico, cruel, infiel às promessas interiores.
Gozei sempre, como outro e estrangeiro, a derrota dos meus devaneios, assistente casual ao que pensei ser. Nunca dei crença àquilo em que acreditei. Enchi as mãos de areia, chamei-lhe ouro, e abri as mãos dela toda, escorrente. A frase para a única verdade. Com a frase dita estava tudo feito; o mais era a areia que sempre fora (...)

'O Livro do Desassossego'- Bernardo Soares- Fernando Pessoa.
Livro escrito entre 1913 e 1935.

Ah, como é bom sonhar e sabê-los sonhos, de éter e devaneio, sem compromisso de nada realizar.
Como acalma o espírito, da derrota virar refém e nela viver a antítese da vitória, e nessa antítese gozar o êxito.
Não por preguiça ou braços fracos mas por descrédito do desejo.
Os modelos todos se revelaram frágeis, e nem esses pude seguir.
Não é cinismo aceitar o fracasso, é indiferença. 
Atirar a flecha mil vezes não leva a acertar o alvo que não se vê.

Tela de Ferdinand Hodler - (1853/1918)
Pintor Suíço.

Terê Oliva / 2004.

O MAR DE VICTOR HUGO♦Nunca Li mais Belo♦



" A tempestade atingiu o paroxismo. Até então fora terrível, agora fez-se horrível. A convulsão do mar reproduziu-se no céu. A nuvem até então fora soberana, parecia executar a sua vontade, dava impulso, derramava às vaga a loucura, conservando sempre uma lucidez sinistra. Embaixo havia demência, em cima cólera. O céu era o sopro, o oceano apenas a espuma.
Daí vem a autoridade do vento. O furacão é gênio. Agora era o turbilhão.
Era a cegueira produzindo a noite. "

Este é o mar que Victor Hugo-(1802/1885)- descreveu em 'Trabalhadores do Mar' - 2*edição - 1866 - Tradução: Machado de Assis.
Ele pintou uma  marina com palavras.

Mais alguns mergulhos ...

"Em certos pontos, a certas horas, contemplar o mar é sorver um veneno.
É o que acontece, às vezes, olhando para uma mulher."

"O inacessível ligado ao inexplicável, eis o céu. Dessa contemplação solta-se um fenômeno sublime: o crescimento da alma pelo assombro."

" A melancolia é a ventura de ser triste."

Tela de Dmitriev Georgy Rualdovich - (1957)
Pintor Russo Contemporâneo.

Teresinha Oliveira.

 

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

LIVRO EMPRESTADO

Emprestei o livro sem pestanejar assim que ele o pediu.
Não é hábito meu deixá-los ir assim para longe dos meus olhos, mas por ser ele quem era e por estar a amá-lo nos princípios do amor,  fiquei feliz. Talvez gostasse e o lesse até o fim.
Esperança não tinha nenhuma, de que o verdadeiro prazer pela literatura nascesse assim de repente, naquele que mal lia os jornais matinais de domingo; e além dos livros obrigatórios do colégio, nenhum outro houvesse lido.
Meu livro assim partiu. Magrinho, porém interessantíssimo naquele seu estilo de ser aberto ao acaso, aqui ou ali, e na página qualquer, contar algo bom.
Emprestado, verbo que poucos compreendem porque pressupõe devolução, se foi.
Obviamente nunca mais voltou.
Perdi o livro, mas valeram alguns beijos de amor.

Tela de Claude Verlinde - (1927)
Pintor Francês Contemporâneo.

Terê Oliva



domingo, 21 de agosto de 2011

ANJOS CAÍDOS DO CÉU POR DESCUIDO 2



George Bernard O'Neill - (1828/1917)
Pintor Irlandês
As Crianças...
Esconde-esconde é brincadeira antiga e muito divertida, mas quando eles desaparecem por tempo longo demais, perde a graça.
Não adianta gritar pelos quatro cantos da casa chamando o bichinho escondido,
porque ele não acredita que a brincadeira acabou e na sua toca permanece, mais silencioso ainda.
Você começa a procurar de verdade e não acha.
Será que eles saíram de casa?


Gustave Doré - (1832/1883)
Pintor Francês.
Pedem à exaustão, sua é claro, para você contar histórias de princesas, piratas e dragões.  Em vez de dormir mais se agitam com as aventuras e querem outra e mais outra. Pior fica quando a história é criação sua e você mal se lembra que hipopótamo é esse, que quase morreu afogado para salvar o jacaré.


Hermann Seeger - (1875/1945)
Pintor Alemão.
Nas viagens a lugares distantes- sítio de avó, casa de campo de amigo- eles se embrenham pelas trilhas e de lá não voltam, nem quando a noite se avizinha.
Só então você descobre que a lanterna não tem pilhas, que por lá tem cobras e mais cobras e que ninguém  deles sabe, ninguém viu. 
Logo fica rouca e maluca, e só escapa do ensaio de ataque cardíaco quando eles voltam sorridentes, com flor na mão, contando o que viram por lá.

Tela de Jean Ulisse Roy

Eles esgotam a paciência de qualquer um quando sujam a roupa nova, caríssima, ainda a pagar em três vezes sem juros no cartão, minutos antes de sair.
Logo para o aniversário do caçula da amiga que tem o marido riquíssimo, mora em condomínio de luxo, carro do ano e filhos perfeitos.
A angústia cresce mais ainda quando você recorda que ela casou com seu ex-namorado, aquele que você dispensou porque beijava mal e na escola nem de ano passava. 

John George Brown - (1831/1913)
Pintor Inglês.
Há que se ter muito cuidado com bactérias e afins, porque sua casa vez ou outra se transforma num hospital veterinário, que acolhe os cães e gatos estropiados  da redondeza inteira.
Passarinho até pode, você mal reclama, porque morre logo ou voa embora.


Karl Witkowski - (1860/1910)
Pintor austríaco.
Você fica sem graça quando o vizinho, sujeito ranzinza e grosseirão, bate à sua porta para reclamar dos ladrõezinhos que roubaram algumas mangas, meio podres, que ninguém jamais comerá.
Mas não foi essa a educação que eu dei a eles, o senhor me desculpe, ficarão de castigo e mais blá-blá-blá...


Joseph Seymour Guy - (1824/1910)
Pintor Americano.
Eles deixam qualquer mãe embaraçada quando começam a mexer em tudo na casa alheia. Não adianta recomendar várias vezes antes da visita. Finjam que são educados, por favor. Parece que o aviso instiga a curiosidade e os leva crer que por lá existe algo realmente interessante a procurar.


William Hemsley - (1819/1893)
Pintor Britânico.
Há sempre um pestinha, que com requintes de crueldade, transforma a mais querida boneca da irmã numa irreversível careca. Ela, num ímpeto de vingança, joga pela janela do 4o andar o carrinho novo dele.
É hora de você arrancar seus próprios cabelos e se jogar pela janela.


André Henri Dargelas - (1828/1906)
Pintor Francês.
Quando chegam à idade de brincar de médico com primos e amiguinhos, é hora de ficar alerta e se preparar para perguntas constrangedoras.
A curiosidade pelo sexo oposto e as emoções do primeiro beijo e toques  quase sempre começam aí.  


Chelin Sanjuan - (1967)
Pintora Espanhola Contemporânea.
Animal solto na rua provoca pânico em qualquer mãe, pois ela bem sabe que só por sorte o filho até hoje não foi mordido por um cachorro sem dono, ou pegou sarna dos muitos gatos da vizinhança que abraçou.


Sophie  Gengembre Anderson - (1823/1903)
Pintora Francesa.
Depois de ouvir a palavra mãe, de contar 1,2,3... zillhões de vezes no curto espaço de um dia, apesar de tanta agitação e cansaço, você percebe que sobreviveu incólume.  Não desistiu, não infartou, nem mandou-os  por tempo indeterminado para a casa da vó.
Com um amor que você mal compreende vai colocá-los para
 dormir,  pedindo  a todos os santos para se  lembrar do bendito hipopótamo, aquele que salvou o jacaré.

Terê Oliva



TEMPO PERDIDO


És uma casa vazia.

Tempo perdido num banco de praça
Sem livro, sem árvore, sem pássaro perto.

Tela de Walter Dendy Sadler - (1854/1923)
Pintor Inglês.

Terê Oliva
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QUASE POESIA

Bem-vinda seja a manhã
Depois que uma calha entupida gotejou insônia.
Uma confissão de amor sem eco, o sexo na sua incompletude 
Incomodaram como pedra dento do sapato nesse percurso 
Durante noite quase inteira de tic-tac e latido de cão.
Poderia bem antes ter chegado o dia, e poupado ao poeta 
O tempo sem luz, sem verso.

Bem-vindo o alívio das horas primeiras
Que promete um talvez de história entre os papéis
Ao lado do ovo, da faca, do pão.

Chuva anunciada não choveu, em gotículas foi logo embora. 
Seguiu seu rastro um pedaço de sol 
 A fugir através da clarabóia de vidros embaçados 
Espantando a palavra, uma só que ali sem futuro certo se equilibrava
Quase caindo no poema, que por pouco não nasceu.

Tela de Joseph Hirsch - (1910/1981)
'Bubble at Breakfast'
Pintor Americano.

Terê Oliva

RETO ÂNGULO

Aqui, no reto ângulo
Sufocada entre paredes de ti
Assisto sem mãos
De fazer, não sei mais.

Tela de Gayetano de Arquer e Buigas - (1942)
Pintor Contemporâneo Espanhol

Terê Oliva

sábado, 20 de agosto de 2011

PINTO NÃO É BICHO, É ESTORVO -OU- O SUMIÇO DA COELHA.

Só os mais íntimos sabem desses acontecimentos, mas agora contarei a todos porque tal fato merece  sair aos ventos, já que alegria espalhada fica mais alegre. Até merece benção dos céus; anjos e santos gostam de ver as criaturas rés-do-chão rindo nesse mundo que o Criador fez e não deu tão certo quanto pensara.
Alguma coisa saiu errado lá trás, muito lá trás, quando Adão em vez de ficar fazendo amor foi comer maçã, e Eva trouxe seu bichinho de estimação, uma anaconda cheia de má intenção p'rá junto morar.
Mas deixemos a cobra de lado e vamos falar das coelhas. Duas coelhas anãs, anãs mesmo- eu nem sabia existir tal miudeza e imagino tantas gentes também não- ganharam lar e sustento na casa grande, grande demais, enorme, da menina Fifi. Fifi de Filomena, porque esse nome virou moda depois que a filha da atriz da novela assim foi batizada e saiu com direito a foto em toda revista.
Bonitas as canduras.Não bonitas só de cara e de corpo,mas boniteza de orelha. Bicho é assim, tem boniteza que só de bicho é, mesmo não sendo beleza.
Urubu, bicho mais feio não há, ou quase não, mas voa alto de asa negra aberta que dá rasante, e lá no alto ninguém vê cara nem coração, e pensa quem não conhece  que pássaro mais grande e lindo não há.
As orelhas das pequenas, compridas, caíam de lado, e davam jeito de meiguice e sossego. As orelhas pediam carinho.
Porém, como tudo na vida que tem dois lados, bom e mau , claro e escuro, e tudo mais que se possa imaginar, escolha de bicho de estimação também tem.
O primeiro dia correu tranquilo, e Fifi foi dormir na certeza de ter cumprido obrigação: deu comida, deu água, protegeu do frio com conforto suas duas coelhas para o sono dos justos, na gaiola dos hamsters, que já haviam partido para outras plagas, assim como os pintos e as calopsitas.
Na manhã, saudosa e sorridente, Fifi nem seu leite tomou. Como toda criança, afeita à novidades correu para rever suas duas bichinhas.
Mas, oh! Que susto! Que decepção! Uma solitária coelha a olhou com olhar triste de morte na família. A irmã mais bonita, mais dengosa, a preferida, que nunca se falou para não causar ciúmes na outra, havia desaparecido. Ninguém sabe para onde ou se tem volta tal proceder.
A caçada começa. Tão organizada e medida que parecia se estar procurando ouro em garimpo.
Fifi em lágrimas de cheia de rio, não se conformava com o sumiço da mais amada, e participava da busca com a cabeça a funcionar em providências outras. Colar cartazes nos postes da rua, na padaria, no mercadinho; com a foto de uma, a ajuizada que na gaiola ficou, dizendo ser a outra.
E era tanta lágrima doída que alagou a casa inteira.
A avó que não gosta desses bichos bobos e já alguns havia posto a correr e voar, e até a tartaruga Genoveva da filha deixara fugir, foi logo suspeita de tamanho rebuliço. Jurou inocência e a família quase acreditou.
Não faria tal maldade com a coelha, ainda mais anã, tão querida da neta também tão querida.
Dos pintos se livrara sem dor na consciência quando as crianças eram pequenas, porque pinto não é para se estimar, é brinde em feira animal ou em compra de muito ovo na promoção do mercado. Por que não davam desconto? Dar pinto?
Ofendida com a acusação, largou o café e saiu em busca da prova de sua inocência.
São Francisco, seu santo de devoção, porque ninguém pode entender, nem ela nem mesmo Ele dos animais protetor, cercado sempre dos irritantes pombos, lhe dá inspiração.
Em dois minutos mal contados , atrás de uma tábua no quintal abandonada vê a coelha castanha, imóvel.
Não deu alarde com medo de ter encontrado só metade da coelha. Quem sabe rato pegou e comeu um naco? Havia vestígios de ratos ao largo, perto do esconderijo da dita.
Gritou por Nardali, ajudante da casa que de terra longe veio e com essas coisas estava acostumada. Encontrar metade de bicho não embrulharia um estômago que comia cobra, tatu e outros mais.
Viva! A bichinha estava inteira e incólume, apenas suja de tanto passeio por terra e jardim.
Fifi correu com braços abertos tal qual namorada em filme de amor, e levou a danada para os procedimentos primeiros: água, comida e limpeza.
Nardali ficou com a fama de heroína, salvadora das anãs indefesas, mas São Francisco que tudo sabe e tudo vê, pois é íntimo do Criador, anotou no seu livrinho alguns pontos para a avó, que deve estar há muito no vermelho pelos tantos pintos que,impiedosamente, para o céu das galinhas despachou.

Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com

* Baseado em uma História Verídica :0)


terça-feira, 16 de agosto de 2011

FILOSÓFICO HAIKAI

Filosoficamente falando.
A vida é pouco tempo
E muito contratempo.

Tela de Anna Berezovskaya
Pintora e Ilustradora Russa Contemporânea.

Terê Oliva

FINA HIPOCRISIA

Estranho como as pessoas se revelam
Quando a face se dilui no ácido do real
Após décadas embutida em boas caras
Em sorrisos e palavras que só da boca vem.

A nudez da imagem não sustenta
O olhar que finalmente encara
O ser que outro ser fingia
Sob véus de hipocrisia rendada.

Tela de Oxana Yambykh - (1966)
Pintora Russa.

Teresinha Oliveira / 1995

DESEJOS SERENOS

O que guardo nesses frascos de primavera agonizante 
Que nas flores se despe e o frescor das tardes dissipa
É o vento que sacode o mar e me leva na espuma
Para a fonte em que nasce o tempo, o tempo primeiro
Onde as escolhas aguardam, e as ânsias dormem serenas.


Tela de Jan Van Brees -Filho- (1852/1927)
Pintor Belga

Terê Oliva

DOM FRÁGIL


A honra não é um dom frágil
Apesar dos modernos tempos
Por onde os capitais pecados
Fugiram do calabouço e passeiam
Tentadores, nas mãos dos homens.

A minha, moleca, sobrevive por costume
Apesar do meu sorriso de esgar.
Não me leva a sério, nem eu a ela.
Há muito tento quebrá-la
Ou escondê-la debaixo da cama.

Por tal presença e sussurro
Num piscar de consciência entre teias
Perdi, talvez, meus decisivos momentos.

Tela de Iva Hüttnerová - (1948)
Pintora e Ilustradora Tcheca.

Terê Oliva
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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

RUBOR E MAÇÃ

Com tua arte e argúcia
Delira comigo
Na transversal do leito.

Mas não desenha em meu corpo
Promessas que não possa cumprir.


Tela de Emilia Castañeda
Pintora Espanhola Contemporânea.

Terê Oliva

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HUMANIDADE UNA


A dor alheia não me dói no sangue
Nem na carne tampouco.
Mas soma e recrudesce
O sofrimento da humanidade una.

Tela de Gustave Léonard de Jonghe - (1829/1893)
Pintor Belga.

Terê Oliva
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GEMAS RUBI

Todo mel urdido por milhares de abelhas 
Que de minh'alma soltei aos descuidados ventos
Colhi gota a gota e pintei a boca
Colmeia de desejos, rainha aprendiz.

Delícias para o beijo preso nos dentes
Há tanto que em rocha e pétala se esculpiu.
Mina de emoções, saliva de águas frescas
A correr por ocultos regatos entre lábios e carne.
Maleáveis gemas rubi 
Que garimpeiro algum em sua bateia encontrou.

Tela de Ray Caesar
Pintor Inglês Contemporâneo.

Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com.br


domingo, 14 de agosto de 2011

EPICENTRO

Abandono esse par num rodopio frouxo de dança.
Solto minhas mãos no espaço vago que consome minha nudez
Após a odisseia louca que tentamos em naus de rumo incerto
Rijos, ante a perda do nosso amor primal.

Na reviravolta da memória, no cálculo do passo
Buscamos no passado os desejos engolidos a seco
Para desatar no presente abraço
Os nós dos erros cometidos outrora.

Noivos no chão de rocha que descalços pisamos lar
Bailamos sem remissão
No epicentro das mágoas austeras e recíprocas.

Uma música quebrada me acompanha pela escada do quarto
Com meu odre de lágrimas de lua cheio
Para lavar os lençóis sem sentido.


Tela de Julius LeBlanc Stewart - (1855/1919)
Pintor Americano.

Teresinha Oliveira
http://tereoliva.blogspot.com.br



sábado, 13 de agosto de 2011

FARRAPOS.

Enxuguei minhas lágrimas
Em teus trapos, farrapos...
De ti, o que restou.

Tela de Francesco Hayez - (1791/1882)
' Un Pensiero Malinconico'
Pintor Italiano.

Teresinha Oliveira

ANJOS CAÍDOS DO CÉU POR DESCUIDO

Criança é um ser diferente, bicho com jeito de anjo que mete medo em muita gente grande.
Até se compreende motivo...
* Tela de August Hein.


Quando rabiscam a parede toda que você pagou uma fortuna para
ser pintada há apenas quinze dias.
* Tela de Aleksandr Evgenevich Kosnichev


Quando levam para a cama, de lençóis limpinhos e perfumados, os
bichos que você comprou sem querer comprar, após muitas lágrimas e promessas, e dos quais não consegue mais se livrar.
* Tela de Emile Munier


Quando as meninas brincam de comidinha e é você a cozinheira escolhida para elogiar a gororoba e varrer as  migalhas do chão.
* Tela de Pitronella Peters


Quando quase tem uma síncope cardíaca ao testemunhar os perigos a que
eles se expõem.
Se algo der errado, ainda faz o curativo, enxuga as lágrimas,
aguenta heroicamente os gritos que quase perfuram seus tímpanos
e, o pior de tudo, ainda leva a culpa pelo acontecido.
 * Tela de Karl Raupp


Quando enchem a casa com os amiguinhos, quase sempre mais levados do
que a sua já indomável cria, aqueles que as mães, tão distraídas esquecem por lá,
justamente na hora do almoço, que emenda com o lanche, quiçá com o jantar.
* Tela de Theodor Kleehaas


Quando se distraem com algum jogo e uma esperança de sossego brota no seu tolo coração . Mas lá está
você de novo, advogada e juíza, mediando questões entre
vítima e ladrão.
* Tela de Frederico Olaria


Quando as meninas, sem mãos hábeis para vestir as bonecas, solicitam seus dons de modelista e a faz  exaurir sua preciosa paciência para a colocar na gorducha bebezinha
o vestido da Barbie, ou na Barbie o da gorducha.
* Tela de Evert Pieters


Quando, após muitas reclamações dos professores, pela bagunça em sala de aula e notas baixas  do seu Einstein, você estoura o orçamento familiar
 e contrata psicólogo e professor particular.
* Tela de Aalbert Samuel Anker


Quando depois da ideia brilhante que você mesma teve, de medir a altura
da girafinha num portal e marcá-la, eles decidem acompanhar o
crescimento do próprio pescoço, centímetro a centímetro, pelos portais
da casa inteira.
*Tela de Jie-Wei Zhou


Quando eles ganham um arco e flecha de presente -mãe não compra
essas coisas- e qualquer objeto ou pessoa vira alvo. O arqueiro mirim
só desiste do personagem da Idade Média ante a ameaça dele mesmo virar alvo de castigo.
* Tela de Harry Brookers


Quando seu bebê, que tinha todos os dedinhos, o narizinho do papai,
os olhinhos da mamãe, se transforma no terror dos professores,
da família e dos amigos.
Agora você compreende porque os convites para as festas e comemorações na casa dos outros rarearam.
Magoa, mas se justifica.
* Tela de André Henri Dargelas



Quando a higiene da sua cozinha não é mais confiável.
 Eles usam o que primeiro lhe cai às mãos para alimentar seus bichos,
encher de terra para seus bolinhos de lama, e se tiver tampa, guardar
formigas, minhocas e outros insetos que caçarem no quintal.
* Tela de Henry Jules Jean Geoffroy


Quando dormem, em névoa tudo isso se dissipa.
O que permanece sólido ao toque e à alma é um amor 
de amnésia total, onde se pensa até em gerar outros.
* Tela de Marie Lobrichon Timoléon

Terê Oliva