terça-feira, 9 de agosto de 2011

VÍRGULA

"Quando completei 15 anos, meu compenetrado padrinho me escreveu uma carta muito, muito séria: tinha até ponto e vírgula! Nunca fiquei tão impressionado em minha vida." - Mário Quintana - (1906/1994)

Eu também, meu doce Mário, tenho uma vírgula inesquecível em minha vida. Sem ponto, mas tal detalhe não a despe de significado nas recordações que dela carrego.
Lá ía a garotinha com a mãe pelas ruas corriqueiras, sem entender bem o porquê e o para que, mas a mão na sua lhe dava confiança, e a voz que grunhia missões e conselhos não calava. 
-Fazer a primeira prova de sua vida e entrar na sua primeira escola-.
Sabe ler e escrever? Sim! Sim não basta. Tem que provar! Tal qual digital em carteira de identidade ou assinatura em cartório. Palavra de honra ou juramento de mãe não convence, nem mesmo chamando Deus como testemunha ocular.
Assim, sem nada a temer por pouco compreender, e por ter pressa em voltar para casa, viu-se a menininha frente a frente à sua inimiga, uma folha em branco.
Armada apenas com seu lápis de ponta fininha, uma borracha e o que guardava na cachola das aulas maternas, ouviu a professora feiosa começar quase a cantar, irritantemente lerda: "Ditado!"  É para escrever ditado? "Sim, escreva." Respondeu num muxoxo.  A menininha escreveu. E seguiu escrevendo, sem indecisão ou pausa ou pensamento outro além do escrever.
"Vírgula!" Vírgula? Que palavra é essa? O que é isso?
Estava tudo tão fácil, tão certinho...
Na dúvida, e sem atrevimento de perguntar, escreveu a palavra vírgula no cantinho da margem,e até acento coloca, pois percebera o grito em cima do i.
   A professora, antes só feiosa mas agora também chata, repete todo o ditado, arrastando cada palavra como se fosse um pesado saco de areia. Lá continua a tal vírgula, encostadinha na margem.
      Cem no ditado! Naquele tempo ainda não existia o Dez, nota Dez! Era cem mesmo. Apesar de muito maior e rico de zero, não causa tanto impacto e emoção quanto os dez de hoje. Mas era o máximo que se podia alcançar. 
Como matemática e gramática nunca foram grandes amigas mesmo, essa dicotomia não é de se estranhar.
Assim entrou a menininha na escola, ainda faltando um aniversário para entrar. O orgulho da família pouco durou, e esse ano de vantagem logo se diluiu na repetência futura, quando já era íntima da vírgula, e não podia acusá-la de nada.
Até hoje não gosta dela, intrometida demais que trava o pensamento e a frase. Tanta pausa é para quem precisa de tempo para pensar e entender. Para àqueles que seguem as corredeiras da história, a danada é como pedra no caminho.
Hoje a menininha somente a usa quando dela não consegue escapar. Se alguém na trama se perdeu, espere o desenlace chegar sentado num cantinho.



Tela de Johann Georg Meyer Von Bremen - (1831/1886)
Pintor Alemão

Teresinha Oliveira
http://tereoliva.blogspot.com

Um comentário:

Andradarte disse...

Usemos muitas vírgulas.....e tentemos
ignorar os pontos....
Beijo