quarta-feira, 31 de agosto de 2011

SEUS SEIOS

Theodora encontrou a amiga na adega dos semanais queijos e vinhos.
Estava ela triste, cabisbaixa, a olhar sem fundo para a marina que enfeitava a parede, como se tivesse partido no barco e mirasse o mar de seu convés quebrado.
Bebia mais o pensamento que o vinho. Não falava e pouco ouvia, como se a semana não tivesse gastado seus dias com novidades e assuntos tantos.
Não ria seu riso barulhento, soltando o som aos ventos como pássaro que parte, e deixa eco de alegria como rastro para ser seguido pelos que a cercam.
Não é nada, afirmava para mim, amiga tão antiga quanto a infância. Não é nada...
Você está se preocupando à toa. Não é nada... As crianças estão bem, Ricardo trabalhando muito. Não é nada...
Depois de tanta hesitação, olhares perdidos no mar da parede e risos engaiolados, confessou sem graça que Ricardo não mais a achava bonita, que tinha mudado, e essas coisas todas que dizem as mulheres desamadas.
O Ricardo? Ele adora você e os meninos, e mais blá-blá-blá; reconheci e enumerei as qualidades do marido de décadas.
O vinho esquentava nas taças.
 Ao redor das lágrimas contou-me que, sempre perguntara a Ricardo qual a parte do seu corpo que ele mais gostava? 'Seus seios', respondia-lhe sem pestanejar.
Seus seios foram assim, resposta e admiração na conta dos anos.
Na noite anterior repetiu a pergunta, esperando que por esse caminho as horas de amor começassem, mas estancou ao ouvir: 'suas mãos.'

Tela de Sarah Goodbridge Goodric - (1788/1853)
Pintora Americana.

Terê Oliva


2 comentários:

Andradarte disse...

Quando se ama...escolhe-se o todo...
Beijo

Jorge Sader Filho disse...

Vinhos, queijos, seios...
Bastam!

Beijos,
Jorge