segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

LIVRO RABISCADO 3 - Conversando com Inês Pedrosa


   Se teus sonhos e tua dor passam por corredores escuros e frios, os meus galgam escadas; ou descem por elas meus pés escorregadios na lama, em cacos de mármores quebrados e desconexos, saltanto vãos que me atirariam ao precipício, que não vejo mas pressinto, num milimétrico erro do pulo. 
Não são escuras e frias minhas escadas, mas donas de tantas minúcias... tão enigmáticas e de tão variadas formas e crueldade, que nunca lhes percebi luz ou temperatura.
  Apenas as sonho e as enfrento. Algumas viverão na minha lembrança para sempre, como um altíssimo caracol que desço no passo medido pelos degraus curtos, que me leva a um chafariz onde muitos hipocampos dançam em volta do esquicho d'água. Meu inconsciente liquefeito em fantasia.
 Nem posso afirmar, cara amiga, ante essa disputa onírica, qual de nós duas enfrenta maior pavor. Mas sendo fiel à verdade, e navegando no navio absoluto de que ela é construída, como afirmas numa rica metáfora, o prêmio é teu.
 A morte não me busca no lado de lá, nem caveiras irônicas gargalham e me perseguem no lado de cá.   Meu dia é meu porque meu amor não morreu. Talvez porque nunca tenha vivido. 
 Triste, mas a tristeza da inexistência é menor que a da ausência.  Enfrentar os demônios da solidão não me faz rever retratos em álbuns antigos ou relembrar o que foi ou poderia ter sido. Imensurável sofrimento.
  Evito o medo e a dor ao viver o dia com seus pequenos prazeres e quando a noite cai, basta fechar a cortina e vencer o desafio das escadas.

    Tela de Jules Giradert - (1856/1946)
                Pintor Francês

            Terê Oliva

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