Domingo! Sento-me sozinha à mesa da cozinha e tomo meu café. Forte, queimando a língua para acordar de verdade e começar o dia, que nem tem por onde começar porque domingo é dia mole, sem objetivo de ser além do que realmente é: um dia de domingo.
Pego uma folha de jornal perdida e a princípio nem olho a data, pois nada quero além da companhia para o pão com manteiga.
Essa mania de ficar atualizada com as coisas do mundo há muito me abandonou. Já sei mais do que devo e quero, através dos retalhos de notícias que ouço aqui e ali, nos comentários com os amigos, no diz-que-diz das ruas.
Crimes então nem se fala... Ou se fala, e muito. Todos advogam, condenam e inocentam como se juízes fossem. A tragédia alheia nos seduz, e tamanha morbidez age como antídoto contra o medo dela nos pegar na próxima esquina.
Começo a ler o jornal no mesmo ritmo em que mordo o pão. Sem pressas.
Jornal é palavra escrita e palavra escrita é coisa séria, que gruda e vai para dentro da nossa cabeça. O cérebro,ansioso, a agarra com suas mãos e guarda para analisar depois.
O jornal é de sábado, dia 6, agosto. Dane-se! Ainda resta metade do pão para ser comido. Muitos dias não farão diferença nas poucas mordidas que restam.
O frio vai continuar. Efeito estufa e mais blá-blá-blá. Nada disso me interessa pois quero mesmo é sol. Cadê o sol? Já se viu carioca preocupado com efeito estufa? Protetor solar e óculos escuros acredita imunizar. Não vale é chover...
Meu pensamento vai além do papel para outros caminhos. Me calçou, vestiu e arrumou malas para seguir. Se não tiver trava e eu determinação, sigo com ele, imaginando o que não leio. Mas quero ficar por aqui, com meu derradeiro naco de pão e o café, já frio.
Na página 41 as mulheres chinesas choram. Nas montanhas de Longhui os bebes desaparecem depois que são levados por funcionários do governo. Especula-se que são vendidos para adoção por casais estrangeiros.
Atravessando fronteiras e águas de cafeína, que agora economizo para até o final do jornal durar, vou para a Somália onde criancinhas não desaparecem no ar, mas nos últimos três meses, segundo a Unicef, 29 mil delas morreram desnutridas.
Em Badbaado, lugar que só agora, num sábado velho soube existir, soldados do governo roubam os alimentos e atiram nos refugiados que tentam escapar da pior seca dos últimos sessenta anos. E da guerra civil, sei lá de onde isso fica no mapa-mundi, que se arrasta desde 1991.
Eu me pergunto: guerrear pelo quê? Que herança maldita ainda seduz esses seres irracionais?
Bebo o derradeiro gole de café e acendo um cigarro.
Jogo o jornal no lixo para me livrar das suas mazelas, sem ainda perceber que as palavras escritas grudaram umas nas outras e foram para dentro de mim.
É tarde demais para passar incólume por este domingo.
Tela de Helen M. Turner - (1858/1958)
Pintora Americana.
Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com
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