sexta-feira, 1 de julho de 2011

VESTIDO BORDADO EM VAGONITE.

Os vestidos, na vida de uma mulher, tornam-se lembranças.
Nem os sapatos, que compramos às centenas e transbordam nos armários, deixam em nós esse sentimento
de saudade quando se vão; apesar do desejo, um tanto compulsivo pelos sapatos, ser digno de reflexão.
Saltos altos, baixos, tortos; pés em sandálias coloridíssimas, quase nus em tirinhas ...e mais um inimaginável
número de opções que a indústria e o talento dos designers de calçados criam para nosso deleite.
Pensando bem, os sapatos femininos requerem uma postagem própria, que explore sua faceta impudica, e tente desvendar o  por quê se tornaram um  ícone na listagem dos fetiches mais cultivados da sexualidade masculina.
Nosso relacionamento com os vestidos é bem diverso, suave e folhetinesco. Muitas vezes se prolonga por anos; e mesmo apertado, criatura de uma moda extinta, ele espera no cabide o revival de sua antiga glória, quando testemunhou um beijo inesquecível, ou sofreu torturas ao ser arrancado na pressa de um ardente amor sem tempo.
Cada mulher guarda, pelo menos na memória, seu vestido preferido.
Um dos meus, que através da fotografia acima posso dividir com todos, foi-me presenteado por minha tia Irene, uma fada que com suas linhas e lãs enfeitava todas as crianças da família.
Lembro do meu vestido de vagonite como se ele permanecesse guardado em uma de minhas gavetas até hoje, cinquenta anos depois.
Ela, com seus olhos gastos em tantas décadas tecendo, tricô, meia, tricô, meia, ainda é capaz de obras de arte que generosamente distribui por aí, pagando promessa aos seus muitos santos ao tricotar dezenas de sapatinhos para os pobres do momento.
Outro que permanece vívido é meu vestido branco, longo, que na minha juventude -quando ainda se dançava a dois, com rostos colados e mãos aflitas- me transformava numa cintilante libélula a girar sob as luzes negra e a estroboscópica, tão comuns nos bailes da época. Linda, sentia-me única, fulgurante em meu próprio brilho.
 O único problema que essa iluminação mágica ocasionava era ao ser desligada. Ficar frente a frente com o seu par, antes tão atraente, e agora na claridade normal, um espinhudo feio de doer, era decepcionante. Fugir dele pior ainda se mostrava, pois o vestido branco me revelava onde quer que fosse.
Apesar de ter passado maus momentos, escondida no banheiro até os estrupícios esquecerem de mim, nunca desisti do meu vestido branco.
 Longo, que me tornava uma estrela sob a luz negra nos bailes de outrora.

Fotografia - Teresinha Oliveira  (1954) 

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