Nada mais repulsivo que barata. Nem mesmo lagartixa ou aranha provoca tanto asco; mas rato também tem papel de destaque no terror feminino.
Conheço mulher que ao se deparar com minúsculo ratinho em sua calçada, perdeu a compostura e, com seus quase cem quilos se atirou nos braços esquálidos do vizinho por quem sempre estivera apaixonada.
O coitado, que voltava da padaria com o pão de todo dia, desabou sob o peso de tanto chocolate e paixão frustrada.
O bicho escapou, mas o romance entre os dois começou ali, nos paralelepípedos.
Foi nessa mesma rua, numa casa grande e antiga, que D.Ivone decidiu construir a piscina há muito sonhada. Calorenta como mulher em menopausa, não via ela outra solução para amainar seus suores do que passar os dias dentro d'água.
Juntou dinheiro, fez orçamento, escolheu lugar no enorme terreno e contratou o pedreiro. Nelson era sujeito jovem e forte, apto para fazer a piscina tão desejada. Chegou com experiência, musculoso e sábio como ele só; recomendado por um outro que só disso vivia. De águas, filtros, bombas e cloro dava aula para D. Ivone, que arregalava olho e ouvia afiado, assustada com tanta necessidade. Ela que sempre pensara ser fácil cavar buraco e encher d'água se admirou ante tanta parafernália só para ficar de molho no cruel verão.
A obra começou frenética! E cava chão, e compra cimento, areia e azulejo, e acaba a areia e se compra mais, e se faz comida para o pedreiro, porque esse foi o combinado: Nelson não comeria de marmita, só almoço quentinho, feito na hora e cheiro por D. Ivone.
Transcorre uma semana de pó, mas na segunda-feira seguinte o Nelson não aparece. -Semana Inglesa!- O que é isso? Ninguém sabe, ninguém nunca viu. Toda família trabalha à La Brasileira, inclusive sábado, quiçá domingo. Nem Deus descansou na segunda...Mas a cervejada no fim-de-semana deixou os braços e o cérebro do pedreiro sem ação, e ele emendou a segunda com o sábado e o domingo para recompor suas forças.
Terça recomeça, já sem o afã da novidade o trabalho rende menos, e ele até tira um cochilo depois do bis no almoço, que não cansa de elogiar. D.Ivone agradece com sorriso torto e vai novamente ao mercado.
Logo convence a dona da obra que um banheiro é essencial perto da piscina; um chuveirão também. Afinal é falta de higiene mergulhar nos milhares de litros clorados com o corpo suado.
O entulho da piscina se acumula num canto e se espalha por toda casa, como verme de sujeira. E se compra mais cimento, mais areia, mais azulejos...Agora também torneiras, telhas, canos, madeiras e outras muitas quinquilharias, porque a obra cresceu, como a ansiedade para inauguração.
Alguma segunda-feira chega e ele não. Nem terça, muito menos quarta.
D.Ivone se aborrece, o marido briga culpando-a pela ideia de cavar tamanho frescor; mas o pedreiro conta história triste, doença de filho pequeno. Pede e recebe adiantamento de salário, trabalha mais alguns dias e desaparece de vez.
Foi nesse quintal de D.Ivone, entulhado com o sonho da malfadada piscina, que um rato parrudo e assustador fez domicílio. Tanto se sentia em casa, que passeava no claro do dia sem temer quem quer que fosse. Roubava o queijo das ratoeiras com maestria, sem sofrer nenhum arranhão, e cada vez mais engordava.
Ela amaldiçoava o roedor, e também o pedreiro que lhe fez moradia, pois era no monturo dos restos da obra que o bicho vivia confortável e incólume. Não havia veneno que o matasse ou pedrada que o atingisse. Sua toca era um forte inexpugnável onde ninguém se atrevia mexer.
Procurou-se outro pedreiro, mas foi em vão. Nem João nem José. Mesmo oferecendo salário maior, semana inglesa e almoço, ninguém surgiu. Todos se diziam ocupados até o próximo tempo do nunca.
O rato, dali não arredava pata, já pensando constituir família.
Antes que a raiva do pedreiro e da ratazana a enlouquecesse, ela desistiu de vez da piscina. Comprou uma de plástico mesmo, na promoção da grande loja que dividia a penúria de seus clientes em incontáveis meses, e sem outra saída, contratou uma empresa, que cobrou o peso do bicho em ouro, para matá-lo.
Pelo menos esse assassinato amainou seus rancores.
No Mercadão, escolheu toalhinhas de todas as cores para enxugar o suor do rosto, e até hoje espanta o calor tomando banho de mangueira no quintal.
Tela em óleo de Russell Gordon.
Pintor e Fotógrafo Americano.
Teresinha Oliveira.
O coitado, que voltava da padaria com o pão de todo dia, desabou sob o peso de tanto chocolate e paixão frustrada.
O bicho escapou, mas o romance entre os dois começou ali, nos paralelepípedos.
Foi nessa mesma rua, numa casa grande e antiga, que D.Ivone decidiu construir a piscina há muito sonhada. Calorenta como mulher em menopausa, não via ela outra solução para amainar seus suores do que passar os dias dentro d'água.
Juntou dinheiro, fez orçamento, escolheu lugar no enorme terreno e contratou o pedreiro. Nelson era sujeito jovem e forte, apto para fazer a piscina tão desejada. Chegou com experiência, musculoso e sábio como ele só; recomendado por um outro que só disso vivia. De águas, filtros, bombas e cloro dava aula para D. Ivone, que arregalava olho e ouvia afiado, assustada com tanta necessidade. Ela que sempre pensara ser fácil cavar buraco e encher d'água se admirou ante tanta parafernália só para ficar de molho no cruel verão.
A obra começou frenética! E cava chão, e compra cimento, areia e azulejo, e acaba a areia e se compra mais, e se faz comida para o pedreiro, porque esse foi o combinado: Nelson não comeria de marmita, só almoço quentinho, feito na hora e cheiro por D. Ivone.
Transcorre uma semana de pó, mas na segunda-feira seguinte o Nelson não aparece. -Semana Inglesa!- O que é isso? Ninguém sabe, ninguém nunca viu. Toda família trabalha à La Brasileira, inclusive sábado, quiçá domingo. Nem Deus descansou na segunda...Mas a cervejada no fim-de-semana deixou os braços e o cérebro do pedreiro sem ação, e ele emendou a segunda com o sábado e o domingo para recompor suas forças.
Terça recomeça, já sem o afã da novidade o trabalho rende menos, e ele até tira um cochilo depois do bis no almoço, que não cansa de elogiar. D.Ivone agradece com sorriso torto e vai novamente ao mercado.
Logo convence a dona da obra que um banheiro é essencial perto da piscina; um chuveirão também. Afinal é falta de higiene mergulhar nos milhares de litros clorados com o corpo suado.
O entulho da piscina se acumula num canto e se espalha por toda casa, como verme de sujeira. E se compra mais cimento, mais areia, mais azulejos...Agora também torneiras, telhas, canos, madeiras e outras muitas quinquilharias, porque a obra cresceu, como a ansiedade para inauguração.
Alguma segunda-feira chega e ele não. Nem terça, muito menos quarta.
D.Ivone se aborrece, o marido briga culpando-a pela ideia de cavar tamanho frescor; mas o pedreiro conta história triste, doença de filho pequeno. Pede e recebe adiantamento de salário, trabalha mais alguns dias e desaparece de vez.
Foi nesse quintal de D.Ivone, entulhado com o sonho da malfadada piscina, que um rato parrudo e assustador fez domicílio. Tanto se sentia em casa, que passeava no claro do dia sem temer quem quer que fosse. Roubava o queijo das ratoeiras com maestria, sem sofrer nenhum arranhão, e cada vez mais engordava.
Ela amaldiçoava o roedor, e também o pedreiro que lhe fez moradia, pois era no monturo dos restos da obra que o bicho vivia confortável e incólume. Não havia veneno que o matasse ou pedrada que o atingisse. Sua toca era um forte inexpugnável onde ninguém se atrevia mexer.
Procurou-se outro pedreiro, mas foi em vão. Nem João nem José. Mesmo oferecendo salário maior, semana inglesa e almoço, ninguém surgiu. Todos se diziam ocupados até o próximo tempo do nunca.
O rato, dali não arredava pata, já pensando constituir família.
Antes que a raiva do pedreiro e da ratazana a enlouquecesse, ela desistiu de vez da piscina. Comprou uma de plástico mesmo, na promoção da grande loja que dividia a penúria de seus clientes em incontáveis meses, e sem outra saída, contratou uma empresa, que cobrou o peso do bicho em ouro, para matá-lo.
Pelo menos esse assassinato amainou seus rancores.
No Mercadão, escolheu toalhinhas de todas as cores para enxugar o suor do rosto, e até hoje espanta o calor tomando banho de mangueira no quintal.
Tela em óleo de Russell Gordon.
Pintor e Fotógrafo Americano.
Teresinha Oliveira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário