quinta-feira, 1 de agosto de 2013

MULHERES CARIOCAS ♀ MARIA DOS GATOS



Tela de Francisco Sanchis Cortés - Nasc.1969
Pintor Espanhol Contemporâneo.



Há tanto era Maria dos Gatos que se lhe chamassem de  Clotilde, nome  que  ao seu Maria arrematava há quase sessenta anos, talvez nem respondesse.
Os gatos lhe batizaram pela vizinhança inteira com seus abandonos e machucados.
Por ser só, ou quase isso, Maria levou o primeiro para casa a lhe fazer companhia, sem imaginar que ele, o Tristão, logo apareceria de barriga cheia com outros tantos. Sorriu, emocionada com a possibilidade da numerosa prole. Tristão virou Isolda num piscar de olhos, sem complicações. Assim mais gostou. Uma menina... Que bom!
Saiu às compras orgulhosa da filhota bonita e voltou carregada de roupinhas , tralhas e apetrechos. Afinal, a nova mamãe carecia de muita coisa para viver com conforto a doce espera dos rebentos.
Maria esperou junto, em plantões de ansiedade. Voltou até a fumar após quinze anos de abstinência total.
Belo dia, seis bichanos chegaram no bico de uma cegonha, que malvada, espetou os olhinhos de um e o cegou.  Tristão, agora macho comprovado pelo veterinário da esquina, passou logo a ser o preferido, da mãe gata e da mãe gente. Com os olhos vazios carecia de cuidados que os outros dispensavam ao crescerem fortes e independentes.
Pelos muros e ruas, as filhas de Isolda descobriram o amor e suas consequências, enchendo a casa de Maria de miados e cios. Tristão, o ceguinho que tanta compaixão despertara no início dessa história, tornou-se quase imediatamente o sultão desse harém familiar. Como não saía de casa por medo do escuro, estava sempre por perto, a satisfazer as necessidades amorosas das bichanas salientes que não se faziam de rogadas aos seus chamegos.
De repente, sem que o tempo se revelasse corrido, a casa de Maria  antes silenciosa e vazia, ficou pequena para seus inumeráveis gatos. Ela, uma solteirona romântica sem mais esperanças de encontrar amante, batizou-os enquanto possível foi, com os célebres dos clássicos: Romeu e Julieta, Abelardo e Heloísa, Lancelot e Guinevere ... Depois de esgotada sua cultura e acrescida sua necessidade de nomear a tantos, se tornaram simplesmente Branquinha, Esperto, Molenga, Guloso e tantos outros, devidamente adjetivados com sua característica principal.
Como a felicidade sempre cobra seu preço e tem o seu reverso, Maria logo viu-se num mar de problemas para os quais, cercada por dezenas de gatos, não atinava solução. A verba da ração, que não era pública nem superfaturada, escoava de seus bolsos numa honestidade de arrancar cabelos. Os vizinhos reclamavam do cheiro e do barulho, abaixo-assinado, Saúde Pública, super-população, o sumiço da faxineira e tanto mais, tanto mais.
Ela acarinhava seus gatos com o desalento da despedida próxima, apesar de viver sem eles não saber como. A rala família que restara, tia-avó e alguns primos de graus perdidos, se preocupou e se meteu, como toda família de verdade faz quando a coisa fica preta, mas pouco adiantou os trocados coletados e o nome do psiquiatra indicado.
Meio maluca de solidão e saudade pressentida, trancou portas, janelas, e jogou álcool sobre tudo e todos na casa dentro, inclusive na própria cabeça que, refém das tragédias dos livros, incendiou sua história com um glorioso final.
Tela de Antonio Guzman Capel - Nasc.1960
Pintor Espanhol Contemporâneo.


Terê Oliva

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