quinta-feira, 1 de março de 2012

FALTA D'ÁGUA.

Obra de Giuseppe Armani - (1935/2006)
Artesão Italiano.



Nem uma gota d'água. Nem uma miserável gotícula pendura-se na torneira 
para dar o ar de sua graça.
O sol ferve, e nós, seres de mares e rios, desmanchamos nossa estrutura e perdemos o humor quando assim tão secos.
Pagou-se a conta? Logo alguém perguntou. Mas é claro! Logo outro alguém respondeu, sarcástico com a possibilidade do calote.
Pobre sempre paga suas dívidas no dia certinho, para não acrescê-las de multas e manter o nome limpo, porque como dizem por aí, nome é a única coisa que pobre tem, e mantê-lo limpo é questão de honra pessoal.
Mas nem o nome fica imune à sujeira sob a cascata de suor, poeira e ira.
Um filho, o mais socializado da família grande, começa seu discurso fastioso contra os políticos, e os deduz se banhando em piscinas olímpicas ou nos mares do Caribe. Como paredes não respondem e muito menos votam, joga ao ar a originalíssima solução: os baldes.
Contudo, falta matéria-prima para justificar o uso dos mesmos.
O caçula ri e xinga o irmão de idiota. Este retruca com o óbvio-é você... -é você que nem namorada consegue... - melhor sozinho do que desfilar com aquele estrupício por aí... O jogo ofensivo só termina, sem decisão de quem é Idiota Mor, com o grito do pai que se despede e sai para o trabalho, onde com certeza tem água e sossego.
Tela de Pierre de Mougins - (1966)
Pintor Francês Contemporâneo.


A filha, que até então não dera palpites, lembra a todos que D. Maria tem piscina, e que D. Ricarda, há muitos anos se vangloria da previdência do marido que lhe deixou antes de morrer a cisterna, de não sabia quantos mil litros, pronta. Que Deus o tenha num bom lugar!
Pedir água emprestada? Não gosto de pedir nada emprestado na casa de ninguém. Depois a vizinhança fica falando...
Sem graça e sem outro jeito, carrega ela e os meninos, baldes cheios numa via crucis  sedenta. Com água medida faz o almoço, lava louça, limpa casa e banheiro. Guarda até um pouco para necessidade vindoura.
O sol sem dar trégua, corrói o esqueleto e parece brotar em calor de dentro para fora nos corpos suarentos. Não há sombra que o amenize nem água gelada que o aplaque.
Banho! É dia quente para muitos banhos: banho ao acordar, banho antes do almoço e do jantar, banho ao dormir.
A água já chegou? Não! Tem certeza? Não esqueça a torneira aberta...
Com dinheiro contado para as compras do mercado e padaria, decide a mãe, que a ele espicha com talento e competência, que é melhor comer ovo a semana inteira limpa do que dormir suja.
Telefona e pede um carro-pipa; sem pestanejar troca o valor da carne e dos supérfluos  por uma refrescante chuveirada.



Tela de Alfred Stevens - (1823/1906)
Pintor Belga.


Algum tempo depois, talvez uma hora ou duas, escuta o gorgolejar dos canos.
A água chegou com força e volume.


Jules Scalbert - (1851/1928)
Pintor Francês.


Teresinha Oliveira.


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