sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

ÓPERAS NA CADEIRA DE BALANÇO

As lembranças que comigo carrego não são tantas. 
Minha memória é giz.
  Muitas perdi na terra desse pomar de caroços que a vida, implacável, não frutificou.
Porém, algumas ricas guardo, e arrasto pelas décadas em minhas vestes já rotas.
Um velho bonito como poucos o são, culto de muitos livros e filmes, com jeito sóbrio, mesmo ao plantar amores- perfeitos ou ao cozinhar doces em calda, com panos enrolados no braço para não se queimar dos respingos. 

Meu avô.
Eu amava o avô que quase não via, e o admirava nos detalhes.
Para se livrar dos queixumes da neta, entediada com o nada a fazer nos dias de férias, punha ele a tocar na eletrola de então seus discos de vinil em 78 rotações, suas óperas favoritas.
Na enorme varanda, a música dominava o ambiente e refreava os ímpetos da menina que, sentada no chão, ao lado de sua cadeira de balanço,
mal prestava atenção no poderoso vozerio dos cantantes, mas ouvia sem perder uma sílaba sequer as histórias que a própria ópera contava, através da voz grave que a narrava como se a lesse num livro.

Se equilibrando no fio do tear das notas chegava Rigoletto, o bobo corcunda do castelo do Duque, que logo pagaria caro por seus ardis e maldades.
Tosca, pelo mesmo fio quase sempre vinha, de braços dados com Mário, sem imaginar o final trágico que essa paixão lhe destinava.
Madame Butterfly, suave como toda gueixa, chorava em silêncio esperando por Pinkerton, estrangeiro de farda branca que em seu grande navio partiu, com juras de breve voltar. 
 A minha preferida. 
Malfadada história de amor que me deixava triste; mal acostumada  estava eu com os contos de fada e seu imutável final - Felizes para sempre.
Fui assisti-la muitos anos depois, em todo o seu esplendor no Teatro Municipal.
Entretanto, a Borboleta mais bonita  que para mim cantou, foi aquela que voava melancólica nas manhãs da minha infância, na varanda da casa de meu avô.




Tela de William McGregor Paxton - (1869/1941)
Pintor Americano.


Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com
  


Um comentário:

Ana Cecília Moura disse...

São as lembranças líricas as que perduram - pena que só lhes damos valor quando os personagens principais já saíram de cena.

Que relação bonita. A com o avô, e principalmente, com a música e seu enredo... Poema belíssimo. E plástico! - acordes chegaram a ser entoados aqui. =)