quarta-feira, 2 de maio de 2012

PEDRA DE ITAPUCA

Tela de  Guy Rose -  (1867/1925)
Pintor Americano.



Muitos se amedrontam com o mar. Criam um mundo de terror onde os pés não mais alcançam chão. Tubarão branco, água-viva, peixe com boca e fome grande, mais outros bichos igualmente cruéis. Até tatuí assusta quem tem o pavor grudado na imaginação, e a ela dá papel e lápis para traçar seus demônios.  
Sem falar no fluxo das marés, nas correntezas, nos afogados conhecidos e os de ouvir dizer.
Talvez por ter crescido dele pertinho, a ponto de ir descalça para a praia - isso lá era possível há poucas décadas- nunca o temi. Era na água que vivia minhas grandes aventuras.
Chegava cedinho na praia para encontrar os amigos. Vez em quando havia gente nova: um primo da Helena de São Paulo, alguém que chegou de mudança do Rio, o William... Americano louro, bonito e medroso como ele só, que logo foi aceito ao revelar, todo vaidoso, que seu pai tinha um barco. Barquinho bobo, um bote de madeira quase podre com dois remos rachados,  que nos agitou em planos de viagens para ilhotas perto. 
Essa é outra história, onde o perigo realmente nos rondou, mas para não alongar demais o texto, conto depois.
Da Praia de Icaraí, seguíamos à beira d'água, rindo e brincando para a Praia das Flexas - com X mesmo! - no bairro do Ingá.
Ficávamos por ali, reclamando da areia grossa cheia de pedrinhas, comparando as duas praias, Icaraí bem melhor. 
Então por que ir para lá? Porque de lá voltávamos a nado para Icaraí, na hora certa da maré cheia, atravessando o mar que batia furiosamente contra a Pedra de Itapuca.
Nadar no sentido inverso, Icaraí para Flexas, não dava certo. Tentamos algumas vezes, mas o mar parecia outro, e com suas perigosas ondas nos fazia desistir.
Antes da maré nos expulsar, crescendo rápido, ficávamos na Itapuca sentados, a conversar sobre tudo aquilo que os jovenzinhos conversam. Muitos namoricos começaram ali, nos primeiros beijos, e nos carinhos exagerados com os cortes e arranhões do ser amado.
 Nossa atração por Itapuca, "pedra-furada" em tupi-guarani, ficou ainda maior quando alguém, não lembro quem, contou a lenda de amor e ódio que a cercava.
   Uma linda índia, Jurema, apaixonou-se perdidamente por Caubi, um branco que por ela também se apaixonou. Diante da revolta da tribo que não aceitava tal união, os dois decidiram partir para longe. Lugar distante onde pele não tivesse cor e o amor fosse simples. 
  No dia da fuga porém, foram atacados pelos índios que vieram resgatar Jurema, e Caubi acovardado fugiu.
   Ela que passava as tardes cantando, alegre como passarinho solto, nunca mais cantou. Seus dias corriam silenciosos, com saudade do pálido amado.
Após seis luas, seu casamento é marcado pelos líderes de seu povo com um dos chefes da tribo, que sempre a amara na surdina da desesperança.
Na véspera de seu destino, ela vai à praia e canta. 
Caubi surge nas névoas do luar e corre para tomá-la nos braços e pedir perdão. Nesse exato momento se tornam vítimas da fúria dos guerreiros tupis.
Tupã, o deus maior, a pedido de Jaci, a Lua, abençoa os dois amantes e os conduz para o interior da Pedra de Itapuca, onde eles viverão para sempre o amor proibido pelos homens mas abençoado pelos deuses..
   Nós que à época mal sabíamos das dores de amor, a não ser nos livros que a professora de português nos obrigava a ler, só pensávamos em nos divertir rente às praias. Nas manhãs de ressaca, quando as ondas não respeitava nem a Pedra de Jussara e Caubi,  nós voltávamos para a nossa praia caminhando pelo calçadão, frustrados pelas emoções perdidas. Emoções que não sabíamos naqueles jovens dias, tão marcantes.
A menina, de braços e pernas fortes, que amava o mar e sua Pedra, logo partiu para longe e nunca mais voltou. Perdeu, mas não esqueceu os amigos, nem as aventuras salgadas, muito menos o primeiro beijo abençoado por aquelas águas.

Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com

Tela de Benito Rebolledo Correa -  (1880/1964)
Pintor Chileno.