domingo, 4 de setembro de 2011

QUASE UM CONTO DE FADAS

Há muito, muito tempo, uma feiticeira cética da própria receita
No pergaminho em letras góticas rabiscada
-Fio de cabelo de moça virgem, unha de dragão, mel da mais distante colmeia, pó de asa de querubim ou de osso de serafim-
Sentou-se em seu banco tosco e, mastigando fiapos de palha 
Da sua velha vassoura pôs-se a pensar.

No rodopiar mágico de esquecida juventude 
Trançou entre os dedos novas bruxarias.
Escolheu algumas palavras encantadas 
As mais bonitas ante seus olhos de pouca luz
Num arco-íris do céu tingido, e colocou-as todas
No caldeirão de prata, relíquia de família
A ferver em fogo brando e tempo contido 
Até perder a consistência e virar vapor da mistura.

Cada uma
Formosa, com floreiras nas sílabas ainda esfumaçadas
Na fronte de um poeta pousou, gota de pássaro
Para ali cantar cantigas de amor.

As palavras enredaram com seu dom místico
Tal homem que à beira do regato no bosque perto dormia
E nas névoas do sonho as viu e escutou.
Apaixonado, sem nem ainda o saber, em um só gole bebeu-as
Nos cílios da jovem que ao seu lado, sobre a grama descansava.

Entre abandonos ela ao seu encontro se movia
Até então alheia ao amor que esperava seu acordar 
Com sua cesta ao colo, cheia de vida nova
Que o poeta passarinho em versos logo escreveria.
Amor que a feiticeira quase fada
Para os dois cozera no velho caldeirão de prata.


Tela de Anne Bachelier - (1949)
'Fleur-Songes'
Pintora Francesa.

Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.com.br



3 comentários:

Anônimo disse...

poeta passarinho e feiticeira quase fada :)

Maria José Speglich disse...

Gostei da imagem.
Nossa você tem bastante inspiração.
Bem profunda a mensagem da poesia.
"cesta cheia de vida"

Legal.

Maria José Speglich disse...

Eu gosto muito do Picasso, mas troquei a imagem por uma mais delicada. Veja lá.

Abraço!