terça-feira, 5 de abril de 2011

UM BOCADO DE PÃO-Fernando Pessoa

  
"Pedi tão pouco à vida e esse mesmo pouco a vida me negou. Uma réstia de parte do sol, um campo, um bocado de sossego com um bocado de pão, não me pesar muito o conhecer que existo, e não exigir nada dos outros  e nem exigirem eles nada de mim. Isto mesmo me foi negado, como quem nega a esmola não por falta de boa alma, mas para não ter que desabotoar o casaco."

      Fernando Pessoa -  'O Livro do Desassossego'  - Texto VI.

   Eu também sempre pouco quis, querido amigo. Creio por não querer de verdade, ou por querer o tudo que não se quer por sabê-lo longe ao roçar dos dedos.
   Assim, compreendi com esses quereres de pouca valia que é melhor saciar-se com o mínimo, pois logo  se torna rotina a seca de desejos, e desejar aniquila o espírito quando a causa é perdida.
   Aos outros que estão sempre por perto, parece covardia tal inércia, mas os meus desejos são comuns como os seus e não preciso correr; eles me alcançam na simplicidade da vida querida. 
   Basta o pão, a água quente, o amor quase suficiente, o cobertor, o dia sem anseio do algo além de. Tal querer preguiçoso não causa feridas.
   Porém a vida trapaceia e às vezes, lhe dá muito de algo quando se queria tão pouco de outro tanto.
   Assim seja...

      Tela de Ramon Aguilar Mora - Pintor Espanhol.

             Terê Oliva

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei mais do que você escreveu do que do trecho do livro.

E adorei a imagem!