quinta-feira, 21 de julho de 2011

O BEIJO DA TERRA

Quando eu morrer quero virar flor. Renascer num canto de mato, ou com sorte imerecida, perto de riacho ou filete d'água para me dar melhor sustento e deixar bonita.
Já avisei à familia e amigos que me poupem da fogueira. Cremação é limpo, alegam. Mas desde quando um morto tem que ser limpinho?
 A época da Inquisição nos séculos se perdeu e eu tenho mais estilo para fada bobalhona do que para bruxa ou feiticeira.
Aliás, todo feitiço que tento nunca dá certo mesmo...
Não quero ir para o céu em vapor, se é por lá minha próxima estação nessa viagem louca. Creio que antes permanecerei algum tempo num grande salão repleto de gente desapontada que anseia, a qualquer preço, escalar os montes proibidos do paraíso.
Com a morte se brinca para poder viver alegre, sem nela pensar fundo, como tantas outras coisas que ao se pensar dói. Mesmo na carne dói, porque cria doença, algumas que nem se sabe existir, mas a cabeça em seus porões sabe.
 Você ouviu sobre a danada, moléstia doída, ou leu em algum lugar e guardou. Assim, o bicho de pé que atazanou a criança do vizinho se muda com mala e cuia para o seu dedo mindinho e lá faz residência.
Doença não é assunto porque palavra contamina. Ainda mais esses males modernos, sedutores com seus nomes escalafobéticos, cujos sintomas já vem diagnosticados e com a receita na ponta da língua de qualquer azarado dela acometido.
Eu que com a vida danço e rio, pensamento triste comigo guardo, 
mas quando a morte ronda, imagino logo a flor que serei. Prefiro as orquídeas, mas não sei se acumulei pontos para tanta beleza. Quase certo que não.
Talvez esse desejo explique o meu amor pelas minhocas que a todos enoja. Minhoca é bicho bom que não morde, não pica, não envenena, só engorda e fura a terra. Traz fertilidade e espanta praga que deixa a planta minguada, nas suas trilhas as raízes se espalham até quase explodirem de prazer.
O fogo traz calor e luz, é verdade, e dizem que é rápido no desaparecer corpo de homem. Mas nessas horas a partida é triste. Despedida é coisa lenta que gasta tempo para o último abraço, ir, voltar e abraçar de novo. Dizer o que nunca se disse, e abraçar de novo,  lembrar um momento quase perdido no tempo consumido, e abraçar de novo, indo e vindo até esgotar o toque.
Assim dá certo o adeus que não é um simples até logo, é adeus mesmo, porque o reencontro ninguém sabe se acontece, e desses campos do Senhor não se retorna para contar o ocorrido convicto e certeiro.
Se transformar em flor é destino melhor que outro qualquer.
Lá no chão calado vai se ficando e de repente, a sementinha chega no bico de um passarinho para brotar você, que um dia já foi gente e não virou fumaça.

Tela de Arthur Claude Strachan - (1865/1938)
Pintor Escocês.

Teresinha Oliveira
Terê Oliva
http://tereoliva.blogspot.bom. 

Um comentário:

Anônimo disse...

muito bonito!
parabéns